João Francisco Lisboa, o grande historiador, que Capistrano dizia ser o mais brasileiro de todos, dedicou no primeiro volume de sua obra "Jornal de Timon" um longo estudo às eleições na Antigüidade, partindo da realidade de que os romanos e os gregos foram os que mais exercitaram o direito eleitoral.
Muita água ou tempo já passou, mas, basicamente, uma verdade subsiste. É que o sistema representativo só vincula o povo ao governo no ato eleitoral, o voto. Com base nisso, nenhuma ingerência tem o cidadão na tarefa de governar, a não ser o direito de opinar e questionar.
Todos estamos pensando o que vai se passar com a democracia representativa. Ela dá sinais de namorar alguma forma de democracia direta. A internet, a sociedade civil, as ONGs, as organizações corporativistas e a mídia em tempo real vêm transformando a eleição. Os mandatos envelhecem rapidamente e a opinião pública, através da mídia, fiscaliza, opina e viabiliza decisões que os mandatários não tomariam.
O que virá ninguém sabe, mas que algo vai mudar, há certeza de que sim.
No Brasil, o avanço no processo eleitoral foi veloz e extremamente eficaz. Há 15 anos, começamos a informatizar o alistamento eleitoral. Isso foi na primeira gestão do ministro Néri no TSE e teve grandes avanços com as do ministro Veloso. A tecnologia possibilitou a modernização da votação e da apuração. Desapareceram a fraude, os atrasos e mais de cem milhões de eleitores votam, sabendo que seu voto é legítimo e imune a alteração.
Persistem os problemas de financiamento e nível da campanha. Mas esses são problemas comuns ao mundo inteiro e dependem da influência do dinheiro e da educação política.
Por outro lado, as técnicas de pesquisa são complicadores na legitimidade da campanha, que abandona o ardor das idéias pela frieza dos percentuais que revelam e influenciam a cabeça do eleitor.
Mas, voltando a João Lisboa, ele conta que, em Esparta, as primeiras eleições eram apuradas por cidadãos notáveis, trancados num salão. Para ser eleito, era preciso ter mais de 60 anos e algumas condições censitárias. Os candidatos atravessavam a praça onde estava o povo, de cabeça baixa, sem falar nada. Pelo conceito que desfrutavam recebiam aplausos. Estes eram anotados. O mais aplaudido era o eleito. Do palmômetro à máquina de votar, passaram séculos. Mas três coisas não mudaram: o candidato, o eleitor e a vontade do poder.
A estrutura do governo sempre foi uma sedução aos pesquisadores. Uma organização de trabalho intrigou filósofos: a das abelhas e dos besouros. Foi estudada por Aristóteles, Virgílio, Cícero e outros menos votados. Os besouros os impressionaram por voarem fazendo barulho que se pensava fosse com as asas e hoje se sabe que é com a traquéia. As abelhas e os besouros têm uma sociedade que funciona, mas ninguém sabe se votam e como o fazem. As abelhas trabalham, têm chefe, obedecem a planejamento, recebem e dão ordens, fabricam mel e fazem cera, sem fazer cera. Só têm o mau hábito de matar o macho fertilizador, deixando a abelha rainha.
Vivem em paz, sem outdoor, TV e não precisam julgar a Guerra do Iraque nem o MST.
Folha de São Paulo (São Paulo) 01/10/2004