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O dragão, a fera da rua larga

 

Há movimentos aparentemente contraditórios, hoje, no trato da língua portuguesa. De um lado, alguns jovens de escolas da Zona Sul divertem-se em seu computadores economizando vogais ou recriando o que se entende por fonética. O não é naum, assim como você se escreve simplesmente vc. Ainda não percebemos aonde querem chegar, mas o movimento está aí.

Como uma espécie de reação, embora difusa, cronistas de jornais consagrados promovem um movimento a seu modo. Resolveram atrair de volta à cena vocábulos que dormiam no esquecimento ou frases que pareciam abafadas num confortável arcaísmo. Foi o que ocorreu, por exemplo, com o inspirado Joaquim Ferreira dos Santos (O Globo), na crônica "As doces sirigaitas".


Ele cita Nelson Rodrigues, com quem convivi em algumas redações, aprendendo expressões que nunca mais saíram da minha cabeça, como "você é um biltre" (que li também em Eça de Queiroz) ou "mergulha de cabeça", como sinônimo de "mete os peitos" ou "toca pra frente". Hoje, isso tudo parece em desuso.


Gosto muito, quando elogiam alguma roupa que esteja usando, de afirmar logo, pra encerrar o assunto, que "comprei no Dragão". Se o indivíduo for de meia idade, logo atalha: "Aquele da rua Larga?" Respondendo afirmativamente e ainda dou pormenores: "Ao lado do prédio da Light." Se não é verossímil, pelo menos tem a vantagem de cortar o assunto, que, de resto, não me interessa muito.


Outro termo que só me traz encantamento é "broto". Chamo minhas netas de "broto", elas riem, como se não estivessem entendendo.


Como explicar que esse era o grande elogio que se fazia às mulheres, nos gloriosos tempos da Rádio Nacional, com o brilho do cantor Francisco Carlos, que fazia enorme sucesso com o seu "ai, ai, brotinho". Parafraseando o poeta, mudaram os tempos ou fui eu que não evoluí?


Lembramos o fato ocorrido num domingo, à tarde, na casa da Tijuca. Reunião de família, quando se pergunta que fim levou a namorada de um dos meus irmãos. A resposta foi típica de um comportamento da época. "Não houve jeito. Dei-lhe um bico!" Linguagem futebolística, pouco gentil, mas usual.


Antônio Houaiss, grande filólogo brasileiro, costumava afirmar que a língua portuguesa crescia à noite. Você acordava diariamente com uma porção de novidades, como se isso fosse inevitável. Numa sessão da ABL, perguntei-lhe pelo destino de tantas palavras que caíam em desuso.


A explicação foi bastante clara: "Quando elas são importantes, ficam no vocabulário ortográfico ou até mesmo no dicionário, que é mais seletivo, com a rubrica "termo arcaico". Mas quando saem mesmo de moda e nem foram muito bem percebidas, no linguajar popular, desaparecem para sempre, de morte morrida. Isso é muito comum.


Ainda bem que o notável diretor Maurício Sherman está criando um personagem que só usa palavras antigas - e certamente brilhará na televisão. Até que o termo internet vá também para o espaço. Literalmente.


 


Jornal do Commercio (Rio de Janeiro) 28/03/2005

Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), 28/03/2005