Sentados no bar do aeroporto, eles modelavam uma forma no ar. O gesto rústico e imperfeito parecia corresponder às sinuosas linhas do corpo feminino.
A malícia, estampada agora nos rostos desses três homens, confirmava minha suspeita. Acerquei-me, disposta a dar-lhes atenção. Tinha todo o tempo do mundo, e estava disposta a gastá-lo com aqueles machos latinos, que usavam o idioma espanhol para dar publicidade a sua volúpia. Como se só no idioma de origem exprimissem o que lhes ia na alma: a fantasia que se incendiava à passagem de cada dama. Ainda que o ritmo veloz dos passos das mulheres, em busca de seus destinos, lhes roubasse a modulação sensual do corpo.
Ao líder do grupo, o primeiro homem perguntou:
- Que tal esta argentina ?
O outro fez uma pausa. Convinha que a resposta lubrificasse o desejo do amigo. Esse mesmo desejo que a qualquer hora os atacava com a petulância do instinto.
Eu continha a respiração, aguardando o desfecho da cena. A resposta do homem corpulento devia ajudar-me a compreender a humanidade. Ele acariciou o vasto bigode com gosto, tardando em responder. Levou a mão ao alto em busca de uma possível síntese.
Acaso mantinha-nos aflitos com a intenção de fazer-nos crer que suas futuras palavras teriam a propriedade de redefinir o universo da carne e que seu gesto recente, conquanto banal, era de rara concisão? Ou dispunha-se a nos compensar com a vertiginosa fala escatológica oriunda das feiras populares e dos bordéis, em busca daqueles resquícios medievais herdados pelo milagre da herança oral? Na iminência de traduzir o modo pelo qual os humanos, ao longo dos séculos encharcavam na agonia da carne?
O primeiro homem insistiu. Sua sorte dependia daquela mulher argentina que na fúria do tango fantasioso prometera-lhe arrancar as vestes para vê-lo desnudo e indefeso e comer-lhe pedaços da sua carne.
O líder rendeu-se afinal às definições:
- Essas portenhas são quase todas altas e vestem-se com trajes escuros.
Aparentava desgosto pelas mulheres que, nascidas no continente latino-americano, eximiam-se de dar provas públicas de sua sensualidade. E, frente à aquiescência taciturna do terceiro homem, acrescentou:
- Além do mais são brancas como o leite. Naquelas bandas o sol chega sem força. Não queima. Por isso a cama é fria.
Falava como quem percorrera o hemisfério sul, levado por exacerbada sensibilidade fálica. E introduzira-se, graças à sua esperteza, nas partes vulneráveis do corpo humano para ali recolher as provas da febre perversa que o amor insano engendra.
Naquela tarde em que as hordas passavam apressadas na ânsia de pegar seus aviões, esses homens degustavam os órgãos femininos como tira-gostos. Batizavam-nos com nomes exóticos, alguns incompreensíveis para mim. Sem gozo ou impudicícia no rosto, deixavam-se estar ali entre os mortais. Queriam à força esquecer os reclamos e deveres familiares que lhes cobravam as moedas do suor.
Atados os três por um barbante invisível, brandiam uma oratória proibida. Compraziam-se com um corpo que fremia sob o impulso da ilusão. O ardil do sexo, que lhes chegava através das palavras obscenas, era inofensivo. O que diziam feria somente a eles e à sua impotência dissimulada.
A libido daqueles homens expandia-se e agora evocava o Caribe. Veementes, afirmavam que a mulher daquelas pátrias fazia estremecer as entranhas de um homem. Nenhuma outra geografia inspirava-lhes tanto ardor. Para eles, unidos e solidários, os exercícios descritivos das intimidades femininas iam erigindo um céu a que se acedia sem mistérios. Bastava instalar-se entre os lençóis da luxúria para alcançar o prazer. Um prêmio que, de verdade, consistia em repartir com os amigos a história nunca secreta das suas intimidades um pouco antes do avião decolar.
Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 01/12/2004