Há poucos anos, houve um sério debate, nos meios intelectuais brasileiros, quando o Itamaraty resolveu abolir o francês dos seus exames de admissão. Não é difícil lembrar que se argumentou muito com o seguinte fato: o mundo, no caminho inexorável da globalização, está preferindo o inglês como língua universal. Por que sobrecarregar os nossos futuros diplomatas com a língua francesa, que já não seria mais tão importante assim?
Protestos aqui e ali, houve quem recordasse que o francês é língua latina, devíamos ser solidários à francofonia, mas não adiantou. Foi-se o francês, apesar da resistência.
Estamos vivendo outro momento, este ainda mais confuso e de difícil justificativa. Talvez os mesmos "gênios" que tiraram o francês voltaram a sua cisma para a língua inglesa, retirando a obrigatoriedade dos exames de admissão. Nem francês, nem inglês. As línguas serão estudadas ao longo do curso e não serão mais exigidas à entrada. Alguns mais radicais atribuíram essa última decisão ao espírito antiamericanista que estaria prevalecendo nos meios oficiais. É claro que os mais esclarecidos não acreditam nisso, pois os Estados Unidos são os nossos maiores parceiros comerciais, a muitas léguas de distância do segundo colocado. Dificultar o entendimento a quem poderá servir?
Outros acham que seria uma forma de impedir a invasão de termos estrangeiros em nossa língua. Basta estancar os excessos e não aceitar tudo o que os marqueteiros colocam nos anúncios veiculados, misturando prédios, alimentação e computadores. Pena severa, como sempre quis o deputado Aldo Rabelo, para os transgressores. A França aceita o "franglais", mas em doses homeopáticas. Aqui no Brasil, como tudo é gigantesco, falta moderação nesse capítulo e um excesso leva a outro excesso. Ninguém tira vantagem no processo.
Para sermos claros: o Itamaraty não deveria ter defenestrado o francês, nem o inglês, nos exames de acesso ao Instituto Rio Branco. Cometeu uma dupla falta, talvez inclusive por desconhecer os efeitos poderosos que esses exames provocam, de cima para baixo, nos estudos em nível médio. Acompanhamos o que houve nos exames vestibulares, bem de perto, para poder afiançar que as mudanças ocorridas nos últimos 10 anos, como a introdução das provas discursivas (redação), tiveram significativa influência nas aulas de português dos nossos colégios. Se o sistema não melhorou tudo o que deveria, pelo menos trouxe um pouco mais de liberdade de raciocínio aos nossos jovens, obrigados a desenvolver temas da atualidade em linguagem própria e com um português aperfeiçoado.
Nisso tudo há um pouco de falta do que fazer. Em lugar de medidas dessa natureza, melhor seria que nos empenhássemos numa cruzada nacional em benefício da língua portuguesa, que houvesse um eficiente treinamento nacional de professores (com o uso da TV), para que não fôssemos obrigados a corrigir provas com uma redação abaixo da crítica.
Jornal do Commercio (Rio de Janeiro) 24/01/2005