''Os professores, mesmo de nível universitário, não conhecem bem a língua e ensinam errado aos alunos''.
É parte de um depoimento do professor Evanildo Bechara à repórter Valéria Martins, do Jornal de Letras.
O filólogo Bechara, com 73 anos, é imortal da Academia Brasileira de Letras. Considerado um dos maiores especialistas em filologia e gramática portuguesa do mundo, sua opinião sobre os nossos professores deve ser avaliada com muita atenção. Somos obrigados a admitir que a situação é assustadora.
Quando a jornalista lhe pediu que justificasse a denúncia em relação aos professores, afirmou: ''Outro dia me mostraram uma prova para a quinta série, ou seja, para alunos de 10 ou 11 anos, que era errada até do ponto de vista pedagógico. Trazia um texto da carta de Pero Vaz de Caminha, escrita em português antigo. Dizia assim: 'mandamos em terras batéis e esquifes'. No final do texto, havia um glossário onde 'esquife' aparecia como sinônimo de 'caixão fúnebre'. Ora, 'batéis' são barcos grandes e 'esquifes', barcos pequenos. 'Esquife' é uma palavra estrangeira, um empréstimo que recebemos das línguas nórdicas. Ou seja, o professor não leu corretamente a carta de Pero Vaz de Caminha, não conhece o vocabulário da língua portuguesa e está passando noções erradas aos alunos numa prova. É gravíssimo''.
E disse mais: ''Há muitos erros de português. O nível diminuiu muito, mesmo nos meios onde se deveria saber escrever corretamente. Mas esses profissionais são vítimas do mau ensino da língua, que já está institucionalizado. Hoje mesmo, eu estava analisando algumas provas de vestibular da PUC e da UFRJ. As interpretações que os próprios professores fazem nas questões são verdadeiros absurdos. São interpretações pessoais, nas quais os alunos não conseguem penetrar facilmente. Na parte de gramática, também há erros''.
Quem gostaria que seu filho aprendesse, na escola, noções erradas de gramática e textos com interpretações dúbias? São os desafios que se colocam para os cursos de formação de professores, na esperança das necessárias providências.
O profissional de educação precisa ser vocacionado. Entretanto, a remuneração dos professores é um problema, ainda insolúvel, o que vem afastando do magistério aqueles que fizeram excelentes cursos de formação e se preocupam com a atualização constante. Estes, certamente, optam por outros trabalhos. Não se pode deixar de registrar que os baixos salários impedem que o professor reserve uma verba para a compra de livros e pagamento de cursos de reciclagem - mal dá para comer e para vestir. E morar dignamente, então, nem se fala.
O investimento na melhoria dos recursos humanos dos profissionais da educação, principalmente em relação ao domínio da língua, é imprescindível e urgente. Seja professor de física, química ou qualquer outra disciplina, todos têm obrigação de falar e escrever corretamente o português. O exemplo é o maior aliado da educação. Isso para não citar a precariedade registrada nos cursos de Direito em relação ao vernáculo.
Para que as autoridades assumam a responsabilidade de manter cursos, promover oficinas, seminários e encontros para os professores, a fim de tê-los atualizados é preciso que este ponto seja considerado prioritário no planejamento de qualquer governo municipal e estadual e as verbas, destinadas sejam de fato utilizadas para o crescimento pessoal e profissional do professor.
Enquanto se pode estimar o futuro, nas grandes nações, cada vez mais beneficiadas pela propagação da globalização, para nós não resta outra alternativa que não seja a adesão completa à prioridade educacional. A formação de professores e o seu treinamento constante gozam de absoluta prioridade, devendo entusiasmar os que se encontram sacrificados pelo desânimo. Se o futuro aponta para a Sociedade do Conhecimento, não podemos estar fora disso.
Ganharemos todos: os professores, os alunos e a educação brasileira.
Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 1/2/2006