1. PAPA FRANCISCO. Numa cantoria, os amigos João Paraibano e Sebastião Dias (saudades deles) encerraram um dos baiões de abertura (em sextilhas, sempre sobre um tema específico), dizendo
O Papa da Argentina
Deixa a gente muito grata
Em vez de um anel de ouro
Preferiu anel de prata
Parece que ele não gosta
De usar broche nem gravata.
Esses cantadores... Papa usando broche? Ou gravata? Como é que pode? O próprio Francisco responde (numa entrevista sobre Tomás de Aquino): "Pedimos ao Senhor a capacidade de sorrir, a vida tem sempre algo para se sorrir. O senso de humor é um certificado de sanidade. O senso de humor humaniza. Humaniza tanto...".
2. JÔ SOARES. Numa conversa, Jô disse
– Maior sonho que tenho é o de ser Papa. Mas isso não posso, e é pena.
A ele expliquei que o Vaticano era uma Monarquia. Há dois tipos delas. Uma sanguínea, como a Inglaterra, onde só podem ser escolhidos aqueles de sangue nobre. "Azul", assim se diz (embora seja tão vermelho como o nosso). Se chamam Reis (ou Rainhas). Enquanto a outra Monarquia é por votos (um só país, o Vaticano), dirigida por Papas.
Para ser um deles, precisa somente ser batizado. E recordei, a Jô, o Cânon 332 do Código de Direito Canônico: "Se o eleito não tiver caráter episcopal, será imediatamente ordenado Bispo". Fosse ele e seria, então, Bispo Jô. E, em seguida, Papa (com o nome que escolhesse).
Sobre quem pode eleger, nisso teria que tomar providências. Expliquei que o Canon 33 do mesmo Código de Direito Canônico restringe, o colégio eleitoral, aos "Cardeais da Santa Igreja Romana com exceção daqueles que, antes do dia da morte do Sumo Pontífice ou do dia no qual a Sé Apostólica ficar vacante, tenham completado 80 anos".
Naquele tempo, não lembro mais quantos eram. Hoje são 136, dos quais 108 nomeados por Francisco. Dito isso sugeri ao Gordo que bastava ele conseguir, em Roma, apoio para que os cardeais votassem nele.
– Quero não.
– E por que?, homem.
– Vai dar muito trabalho.
E preferiu abdicar do sonho para continuar vivendo a vidinha boa que levava no seu belo duplex de Higienópolis (bairro nobre de São Paulo). Viva Jô.
3. MARCOS VILAÇA. Nas sessões da Saudade do querido Vilaça, na Academia Brasileira de Letras e também na Academia Pernambucana de Letras, comecei dizendo
‒ Vilaça e eu não tínhamos nada em comum; e, portanto, tínhamos tudo em comum.
Explico melhor. Referi o momento em que nos conhecemos, em 1969, quando nosso Brasil vivia os mais duros anos da sombria Ditadura de 1964. Vilaça ocupou cargos importantes, em nosso estado e no país. Entre eles o de ser uma espécie de ministro da Cultura, quando foi Presidente da Fundação Pró-memória; diretor dos Centros Sociais Urbanos; ou diretor da Caixa Econômica Federal. Depois, ainda foi Ministro do TCU (e seu Presidente).
Enquanto eu apenas queria mais Democracia. O que me levou a ser proibido de estudar, no Brasil; e, depois, também proibido de ensinar. Sem contar ameaças do CCC e outros incômodos. Sobre esse tempo dr. José Paulo pai, me vendo calado (jamais esquecerei), disse
‒ Meu filho, se incomode não que um dia você ainda vai por tudo isto no seu currículo.
Mas essas diferenças jamais interferiram em nossa relação. Por fora da pompa e circunstâncias, prevaleceram sempre as relações pessoais. O que nos levou a ser compadres pelos dois lados. Maria do Carmo e ele, padrinhos de nosso casamento e dos filhos; Maria Lectícia e eu, padrinhos nos casamentos dos filhos dele.
Conto apenas um episódio, ocorrido naquele tempo, para dar exemplo de nossa relação. Era eu presidente do Diretório Acadêmico da Faculdade de Direito da Universidade Católica. E, certa vez, chegou por lá um militar da PM sem farda, em roupas civis, que disse
‒ O comandante da PM quer falar com o senhor semana próxima, no escritório dele.
Talvez por conta de processo que respondia por lá (depois cancelado, por envolver militar que frequentava um Hospital psiquiátrico, qualquer dia conto isso melhor). Respondi
‒ E onde está a intimação?
‒ O convite é de boca.
‒ Já que de boca é diga ao comandante, de boca também, que não vou.
Desapareceu do lugar e voltou 20 minutos depois, com (agora) uma intimação. Era para ir no dia seguinte, às 6:00hs da manhã, ao quartel da Polícia Militar.
‒ Agora sim, diga ao comandante que amanhã estarei na sua sala, com muito prazer.
Não sei se ele percebeu a ironia na resposta. E a hora foi uma espécie de vingança. Tanto que fiquei esperando, sentado, desde aquela hora bem cedo, até o meio da manhã, quando o comandante afinal chegou. Minha preocupação era só o fato de ser comum, naquele tempo, que opositores do governo desaparecessem como por encanto. E fiquei preocupado que algo assim também pudesse acontecer comigo. Então passei na casa de Vilaça, entreguei a ele a tal intimação, e disse
‒ Amigo, fique com esse papel. Se amanhã não aparecer em casa até a noite, você sabe onde estou. E, por favor, diga isso aos velhos.
Assim eram nossas relações que, com o passar do tempo, ficaram mais e mais sólidas. E por que digo isso?, agora. Para indicar que, mesmo em tempos duros, as pessoas podiam conviver bem. Havia mais compreensão. As relações pessoais eram prevalentes.
Passam os anos e chegamos ao Brasil de hoje, amigo leitor. Radicalizado. Irritado. Desalentado. Onde as pessoas têm dificuldades para conviver. Até dentro das famílias. Com sangue nos olhos. O passado era melhor que o presente. Pobre de nós. Pobres país. Saudades de um Brasil que não existe mais.