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O homem por trás da guitarra nos 007s

 

A morte, há pouco, em Londres do guitarrista Vic Flick, aos 87 anos, passaria em branco para o mundo se não fosse ele o responsável por um dos sons mais consagrados do cinema do século 20 e de até hoje: a frase inicial de guitarra do tema de James Bond, que se ouviu já no primeiro 007, "O Satânico Dr. No" (1962). É aquele bem no começo de cada filme, quando Bond é visto através do cano de um .38. Note bem: Flick não é o autor do tema, que foi escrito pelo compositor Monty Norman, mas seu intérprete, e que intérprete. Confira no YouTube: "Vic Flick performs the James Bond theme".

De que importa saber se foi Vic Flick ou qualquer outro o intérprete de uma passagem durando menos de 30 segundos e pela qual recebeu a miséria de seis libras para gravar? Porque, a partir dali, Flick tocou-o nos 25 filmes seguintes da série e foi bem pago por isso, mas nunca teve o nome na tela. Precisou morrer para que soubéssemos que havia alguém atrás daquela guitarra Clifford Essex. Aliás, era igualmente de Flick e, idem, sem crédito, a guitarra nas cenas não musicais de outro filme famoso: "Os Reis do Iê-Iê-Iê" (1964), com os Beatles.

Deve-se dar o crédito a quem merece. Morreu também há dias o compositor francês Charles Dumont, autor da melodia de "Non, Je Ne Regrette Rien" (1956), que todos amam e atribuem a Edith Piaf, sua cantora e, para muitos, autora da letra. O que é apenas normal porque, no passado, muitos cantores compravam seu ingresso nas parcerias. Quem garante que, digamos, "God Bless the Child" (1939), "de Billie Holiday", não seja apenas de seu parceiro Arthur Herzog Jr., autor de música e letra de várias canções?

Outro morto recente foi o roteirista e humorista americano Marshall Brickman, 85 anos, velho amigo de Woody Allen e coautor do roteiro dos dois filmes que consagraram Woody: "Annie Hall" (1977) e "Manhattan" (1979). E, se tiver sido de Brickman a construção do incrível personagem de Woody, o homem inseguro e cheio de conflitos, ausente ou ainda embrionário nos primeiros filmes dele?

Espero que ele tenham pelo menos seus nomes no túmulo.

Folha de São Paulo, 21/12/2024