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Isso Tudo Que Aí Está

 

Não é de hoje. Rara a eleição nos últimos 70 anos, no Brasil, em que o vencedor à Presidência não foi um candidato que, sob qualquer nome, interpreta uma figura chamada Isso Tudo Que Aí Está. O padrão é invariável. Isso Tudo Que Aí Está é um sujeito desconhecido, carismático, que surge de repente. Concorre por um partido nanico, mas este é acoplado por outro maior, notório perdedor, que não se envergonha de virar rabo de cometa. Não se sabe o que Isso Tudo Que Aí Está defende ou qual é sua plataforma. Só se sabe que ele é contra "isso tudo que aí está".

No começo, ninguém o leva a sério. Mas Isso Tudo Que Aí Está parece falar aos baixos instintos de grande parte do povo, porque, de surpresa, atropela na reta final e é eleito. Votar em Isso Tudo Que Aí Está é um voto de protesto cego e surdo. Seus eleitores só se esquecem de que um ato infantil de revolta, que leva quatro segundos na urna, pode custar quatro anos ao país.

O primeiro Isso Tudo Que Aí Está, vitorioso em 1960, usou o pseudônimo "Jânio Quadros". A caspa na lapela, o bigode à Groucho Marx e o discurso ébrio e contundente embriagaram o país. Venceu de goleada, mas, incapaz de governar na democracia, apostou tudo numa renúncia que não era para valer e que, para surpresa dele, ficou sendo. O segundo Isso Tudo Que Aí Está, em 1989, foi "Fernando Collor", um manequim de vitrine dado a governar a bordo de um jet-ski. Também não queria saber de conversa e, para acabar com a inflação, bateu a carteira do país ao sequestrar a poupança. E, finalmente, em 2018, Isso Tudo Que Aí Está apresentou-se como "Jair Bolsonaro", com seu golpismo matuto, patranha religiosa e amor ao ódio.

Em comum entre eles, o discurso antipolítica, antissistema e anticorrupção —que funciona até o eleitor descobrir que eles também são políticos, pertencem ao mesmo sistema e exercem seu tipo próprio de corrupção. Isso Tudo Que Aí Está pode renunciar, ser impichado e até ser preso, mas nunca nos livraremos dele.

Ele está dentro de cada eleitor indiferente à democracia e aprisionado em suas perigosas mesquinharias pessoais.

Folha de São Paulo, 28/11/2024