O Gato Félix está indeciso diante de um muro. Como é uma história em quadrinhos, surge um ponto de interrogação sobre sua cabeça. Félix usa a interrogação como gancho e pula o muro. Os comunicólogos, espécie dos anos 1960 hoje extinta, davam a esse recurso narrativo, a linguagem que se refere a si mesma, o nome de metalinguagem. Algo muito simples, mas que eles gostavam de complicar. Hoje ouço falar em metaverso, será a mesma coisa?
A metalinguagem parecia então grande novidade. Mas já existia havia muito, nós é que não percebíamos. Um de seus brilhantes praticantes estava bem debaixo do nosso nariz: o baiano Joselito Mattos (1924-89), ou só Joselito, como ele se assinava. Era o quadrinista de um gibi, "Vida Infantil", cujo conteúdo era muito mais juvenil do que o título. Seu personagem, o macaco Pituca, sempre a fim de tapear alguém, tinha de ser punido no final, mas se vingava com a metalinguagem.
Numa delas, ele invade a redação e exige do desenhista —o próprio Joselito— que o faça sair ganhando pelo menos uma vez. Em outra, Pituca se revolta e abandona o gibi: "Não trabalho mais nesta história!". Na melhor de todas, um coelho com perna de sete léguas tem de percorrer enorme distância numa só passada. Joselito lhe estica a perna por três quadrinhos, com a legenda dizendo que eles "valiam por 9.654.302 páginas, 503.612 tiras e 95 centavos, digo quadrinhos". Pituca comenta: "Só numa história em quadrinhos isso é possível".
Um livro recém-saído, "Joselito Solta Seus Bichos", por Marcos Massolini, é a biografia desse artista que, com o fim de "Vida Infantil" em 1960, tornou-se um ativo ilustrador, publicitário e autor de capas de discos em todos os estilos e que marcaram época.
Pela sofisticação que as histórias de Pituca exigiam de seus leitores, vê-se hoje que estes deviam ser uns pequenos monstros. Eu devo saber —porque era um deles.