Cada vez mais, nesta Copa do Mundo, torna-se evidente: a globalização do futebol é uma realidade. Basta ver como as equipes europeias tradicionais incluem jogadores originários de famílias de outros países, sobretudo árabes ou africanos. Ou como, entre as seleções em condições de seguir adiante, várias são de regiões que raramente conseguiam se classificar e agora fizeram bonito, ameaçando favoritos.
O mesmo ocorre no campo da cultura, das artes e do espetáculo. Músicos, atores, artistas plásticos, escritores africanos e orientais aos poucos ocupam espaços que deviam ser seus há muito tempo mas só agora começam a ser conquistados, vencendo com dificuldade barreiras impostas pela dominação de modelos hegemônicos.
Esse panorama confirma que a revolução tecnológica trouxe mais informação, interação e conhecimento mútuo, mas também é característico de um momento da História em que as viagens são mais viáveis, e não dá para segurar a vontade de subir na vida, ter melhores condições de sobrevivência. E se não há chance na terra onde se nasceu, não há por que condenar populações inteiras ao conformismo, diante de todas as portas fechadas, sem perspectivas para sair da miséria. Os movimentos migratórios crescem e se expandem em toda parte. São acompanhados, muitas vezes, pela desconfiança e preocupação, quando não pelo medo agressivo, de parcela das populações dos lugares para onde essas ondas humanas se dirigem.
Esse medo tem sido explorado por defensores de um nacionalismo xenófobo e autoritário, o que explica em parte o crescimento da direita em diversas regiões do mundo. Há problemas reais em vários lugares, levando à busca de bodes expiatórios e demonização de quem é diferente e, aparentemente, vem ameaçar recursos limitados. Somam crise econômica, desemprego, concentração demográfica, falta de moradia, violência urbana, gente demais disputando oportunidades e serviços escassos. Servem de alimento para o que há de pior e mais bárbaro em nossa espécie, fornecendo-lhe pretextos para a crueldade pura e simples.
Estas semanas estamos assistindo ao auge do horror, com essas atitudes inacreditáveis da política migratória dos Estados Unidos, cumprindo a ordem de Trump de separar famílias e aprisionar crianças latino-americanas em abrigos que funcionam como centros de detenção. Os pequenos, de bebês a adolescentes, são virtualmente sequestrados sem que ao menos se tenha planejado o que fazer com eles de modo a permitir uma saída rápida para a situação e possibilitar a localização imediata de seus parentes para que sejam libertados e reunidos logo. É claro que cada país tem o direito de preservar suas fronteiras, não é isso o que se discute. Mas a decisão de Trump está no terreno da estupidez e da barbárie. Não dá para ninguém ficar indiferente a isso.
O mundo já foi assombrado recentemente por algumas imagens inesquecíveis que nos jogaram na cara o cotidiano de migrações e guerras, a exigir medidas concretas. O corpo do bebê morto, encolhidinho, que foi dar na praia da Turquia após um naufrágio em 2015. O olhar em choque do menino Onran, de Aleppo, coberto do pó das explosões, sentado aos 4 anos no banco da ambulância após ser resgatado dos escombros em 2016. Os refugiados da etnia rohingya que nos chegam em fotos de gente esquálida, machucada, chorando, fugindo de atrocidades e abusos de toda sorte em Myanmar em busca de acampamentos de absoluta precariedade em Bangladesh.
Aqui, estamos assistindo à chegada de haitianos e venezuelanos, que fogem da miséria em busca de alguma oportunidade. Chegam com fome e sem vacinação. Junto ao seu fiapo de esperança de que no Brasil as coisas sejam melhores, trazem doenças como o sarampo, que começa a se alastrar por Roraima e precisa ser detido com vacinação maciça. O mesmo ocorre com a poliomielite, terrível doença que pode ser evitada pela imunização coletiva (como já conseguimos nas campanhas da gotinha), hoje relegada ao esquecimento pelas autoridades, diante de uma população abandonada e sem educação sanitária.
Para não ter de fugir da guerra, seria preciso ter paz — coisa que os interesses e poder dos fabricantes de armas se encarregam de impedir. Para evitar a miséria, seria preciso desenvolvimento — e para isso a comunidade internacional teria de encontrar um caminho semelhante ao Plano Marshall no pós-guerra europeu, que propiciasse recursos a fundo perdido às áreas atingidas. Tudo isso é muito difícil.
Mas, em vários casos, ao menos seria possível um esforço para punir os traficantes de gente, que enganam os desesperados com promessas mirabolantes e lhes arrancam todas as economias da vida antes de largá-los no meio do mar, no deserto ou na fronteira.
Será que Governador Valadares é tão pior do que o restante do Brasil? Por que tanta gente de lá prefere correr riscos enormes tentando ir para os EUA? Quem, por dinheiro, lhes acena com a ilusão de que vale a pena? Nem isso conseguiremos punir?