Como se fosse uma peça pirandelliana, em que cada um retira dela a sua verdade, as primeiras 13 horas da sessão final do julgamento do impeachment só serviram para convencer os já convencidos, fornecendo argumentos a uns e outros para condenar ou para absolver a presidente afastada. Mesmo em relação à protagonista do espetáculo, no qual respeitáveis observadores viram a figura arrogante de sempre, eu percebi uma Dilma diferente, mais emotiva, sem a agressividade costumeira, esforçando-se para falar mais com o coração do que com o fígado, às vezes até conseguindo, como no bem-sucedido discurso inicial. É claro que essa forma encobre um conteúdo fragilizado pela insistência na desgastada versão do impeachment como golpe, apesar de previsto na Constituição e supervisionado o tempo todo pelo STF, cujos membros em sua maioria foram nomeados por ela mesma e por seu antecessor. O argumento usado agora pela defesa de que se trata de um “golpe parlamentar”, que não precisa de armas e dispensa a força, continua não sendo aceito por eminentes juristas.
Alguns atores exageraram no desempenho a fim de sair bem na fita, ou seja, no documentário que estava sendo rodado. Acreditavam estar falando para a História, e não para os seus colegas. Houve até um arremedo patético do famoso “Eu acuso”, com Lindbergh Farias no papel de Émile Zola e Dilma, a inocenta, como Alfred Dreyfus, o inocente. Vi que a presidenta estava bem mais tolerante quando, diante de várias justificativas de votos a seu favor sem pé nem cabeça, ela, paciente, não disse o que costumava dizer a jornalistas nas entrevistas coletivas: “Não, minha querida, não é nada disso”.
Embora eu esteja escrevendo antes do segundo tempo e do resultado final, sujeito, portanto, a ser desmentido, não posso deixar de registrar o bom comportamento dos senadores. Desta vez, não houve xingamento nem ofensas, o que parece pouco, mas é muito onde na reunião anterior a Casa foi chamada de “hospício” por seu presidente e na qual, segundo uma aguerrida senadora, não havia ninguém com moral para realizar o atual julgamento. Sem falar na denúncia de práticas que são proibidas em qualquer lugar.
Ao se emocionar relembrando momentos quase trágicos de sua vida, Dilma também causou emoção, por serem fatos verdadeiros num ambiente em que é mais comum a simulação. Mas comparar o que está vivendo agora aos tormentos da tortura infligidos pela ditadura militar é um recurso retórico que, em vez de dramatizar o que ela está sentindo hoje, banaliza o incomparável horror a que foi submetida então. O passado não pode reescrever o presente, e sim o inverso.