O tempo, as injúrias, as porradas dos "mil acidentes da carne" (Shakespeare), me obrigaram a cometer um crime que nunca passara pela minha preocupação: fazer um testamento. Há exemplos notáveis que fazem parte da literatura universal, incluindo o teatro e o cinema. "Gianni Schicchi", episódio de Dante que Puccini musicou, "A Mandrágora", de Maquiavel, a própria Bíblia que narra a compra de uma sucessão por um prato de lentilhas ("Esaú e Jacó").
Não tenho terras, impérios e direitos herdados, a não ser "a vergonha que é a 'herança' maior que meu pai me deixou" (Lupicinio Rodrigues). Mesmo assim com alguns furos que fazem parte da condição humana.
Bombardeado por um tombo que recentemente levei na Alemanha, durante a Feira do Livro em Frankfurt, desconfiei que era tempo de cometer mais um crime dos muitos que fazem parte da minha lamentável biografia.
Perguntaram-me se eu já tinha feito o meu testamento. Uma hipótese igual à pergunta: Por que não me casei com a rainha da Inglaterra? Por que não fui preso pela Operação Lava Jato e por que não abri uma conta na Suíça?
Não há de ser nada. De qualquer forma, pensei em repetir Rabelais: "Não tenho nada, devo muito, o resto deixo para os pobres". Os pobres são mesmo pobres, apesar de Lula e Dilma Rousseff garantirem que não há mais pobres no Brasil. Se forem esperar uma herança vinda dos céus ou do meu bolso, estão fodidos.
Pensando bem, o melhor é não fazer testamento nenhum. Ninguém brigará pelos bens que não possuo, a não ser algumas besteiras que escrevi por aí, mas sem valor no mercado.
Mesmo assim ganhei de um vizinho uma pistola Mauser com a qual ele pretendia se suicidar. Nunca a usei para fim nenhum, nem mesmo para mim. Só a usarei se for obrigado a ser técnico da seleção nacional