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Um pouco de quase tudo

 

Como preciso escrever esta coluna antes de assistir pela TV à Cerimônia de Abertura dos Jogos Olímpicos — eu e mais três bilhões de pessoas — não vou poder compartilhar com vocês a beleza que imagino ter sido o espetáculo de ontem à noite. Espero que tenha dado certo tudo o que foi previsto: o esquema de segurança, as numerosas atrações (200 dançarinos, 12 escolas de samba, Paulinho da Viola, Gil, Caetano) e até a vaia ao presidente interino.

Acabo de ver a declaração do ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, recorrendo a uma conhecida frase de Nelson Rodrigues para justificar de antemão o que já lhe parecia inevitável: “O Maracanã vaia até minuto de silêncio” (se Dilma recusou de fato o convite para comparecer, deu finalmente uma dentro, porque nenhum presidente passou incólume por ali, e, mesmo afastada, ela não seria exceção).

Nos dois dias anteriores, houve o futebol, com o desempenho das meninas empolgando, e o empate dos rapazes decepcionando, pois nem com Neymar e um jogador a mais a seleção conseguiu ir além de um medíocre zero a zero.

Com o tema galvanizando as atenções, a impressão foi de uma semana só de Olimpíada, quando, na verdade, a crise ética e política não deixou de dar as caras.

O ex-presidente da Eletronuclear, o vice-almirante da Marinha Othon Luiz Pinheiro da Silva, por exemplo, foi condenado a 43 anos de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e organização criminosa.

Também o ex-ministro Paulo Bernardo virou réu, ele e mais 12 pessoas acusadas de receber R$ 100 milhões de propina.

Mas o acontecimento mais importante foi a aprovação pelo Senado por 14 votos a 5 do relatório recomendando o impeachment definitivo da presidente afastada.

Apesar do resultado folgado, os cinco derrotados não se conformaram e insistiram na versão de que se trata de um “golpe”.

Um deles, o líder do PT, Humberto Costa, chegou a comparar a situação de agora com a de 1964, quando os militares tomaram o poder.

Ainda bem que houve a sensatez do seu colega Cristovam Buarque para lembrar diferenças fundamentais, entre as quais a de que naquela época os generais depuseram João Goulart não pelos votos parlamentares, mas pelos tanques. “O Senado não é um quartel”, disse.

O presidente também não se abrigou no palácio, como agora, para aguardar em segurança durante 180 dias que o Congresso decida livremente o seu destino político. Jango foi obrigado a ir para o exílio no exterior, onde morreu 12 anos depois e só voltou ao Brasil para ser sepultado.

Costuma-se dizer que o país não tem memória. Mas às vezes são alguns políticos os que sofrem de esquecimento, uma espécie de amnésia de conveniência.

O Globo, 06/08/2016