Pensei que, trazendo algumas imagens, algumas dentro da cultura universal e outras que o tempo nos revelou, eu pudesse situar de maneira melhor o que nós representamos diante do paciente que nos procura ou daquele a quem procuramos servir. (A primeira imagem, por favor, Francisco)
Se tirássemos daqui a luz, talvez melhorasse um pouquinho mais. Então, vendo essa bela imagem de Nefertiti, sabemos que o belo agrada universalmente, sem conceitos, formando uma trindade ideal junto com o verdadeiro e o bom. (A seguinte)
Um pouco duro, mas é um belo kantiano e, na realidade, ele está ali dentro da conceituação. O que é curioso é que vamos ver que cada um dos autores, cada um desses grandes pensadores que querem definir o belo, como que tangenciam o belo, porque o belo não é definível – tem qualidades tão próprias que não conseguimos concebê-lo em toda a sua essência. (A seguinte)
Vamos sentir algumas outras tentativas. Nós vemos, por exemplo, quando Santayana dizia que a beleza seria a afirmação do encontro entre a alma e a natureza, ela serviria, portanto, de base para afirmar a supremacia do bem, e já está sendo tirado aí algo de Platão, de Goethe; mas nós sentimos que é uma frase que nos aproxima muito do conceito universal da beleza. (A seguinte)
Aos poucos vamos sentindo a parte mais platoniana, que foi nos ensinando a perceber o objeto até chegarmos ao arquétipo, como uma expressão concreta. Porém, na realidade, vemos que aquilo que nos atrai naquele arquétipo é alguma coisa além. É uma coisa oculta, é algum fato que está além daquele simples cavalo ou daquela simples urna funerária. Como o poeta disse, a thing of beauty is a joy forever. (A seguinte)
Esses arquétipos, então, vão formando este mundo, e estão muito além dele porque constituem uma essência oculta. A procura dessa essência oculta vai se revelando muito mais na persona interna de cada um de nós, portanto, dando uma extensão muito maior à concepção de beleza. (A seguinte)
Já em Fedra dizia-se que a beleza tem o privilégio de ser mais evidente e mais amável. Nós notamos aqui, nessa pequena parte da Primavera de Botticelli, esse corte, onde se sente a amabilidade e a afabilidade que a beleza nos conduz. (A seguinte)
O belo, portanto, às vezes quer ser definido quase pragmaticamente. Aristóteles, que não resistia a isso, dizia que o belo seria, então, constituído pela ordem, pela simetria e por uma grandeza de ser, abraçada no seu conjunto por um só golpe de vista. (A seguinte)
É fácil de dizer, porém é muito difícil de ver, de repente, o poeta nessa figura bonita de Matisse, e se me permitem dizê-lo, ele é tão bonito, quando está falando da beleza, numa pequena estrofe do Hino à Beleza, de Baudelaire, e diz: Je trône dans l’azur comme un instant incompris. / J’unis un coeur de neige à la blancheur des cygnes. / Je haïs le mouvement qui déplace les lignes / Et jamais je ne pleure et jamais ne rie.
Essa seria aquela beleza que teria um lado duro, mas que teria uma presença; ela ocuparia posição simétrica, indiscutível. (A seguinte)
Eu diria que, passando um pouco e convivendo com esse sentido das pessoas, vamos percebendo que a beleza, na realidade, é uma forma de verdade. Ou seria ela a própria verdade? Eu julgo só ser possível atingir a verdade quase que a partir do belo. (A seguinte)
Ela é mais profunda do que a superfície da forma. Embora seja fácil reconhecê-la, na verdade, conceituá-la é sempre difícil. (A seguinte)
A beleza, como perfeição sensível, nasce com a estética, significando, de um lado, representação sensível e perfeita; e de outro, o prazer que acompanha a atividade sensível. (A seguinte)
Na beleza e no amor, o homem encontra o ponto de partida para a recordação, a contemplação de seus ideais e, assim, o belo surge também como manifestação de ordem e simetria, conforme vemos neste belíssimo Monet. (A seguinte)
Na realidade, o homem é um animal essencialmente estético. A percepção do belo é mítica e milenar. O homem sapiens, ao conseguir a oposição do polegar; este pequeno movimento com que afastamos alguma coisa, por exemplo, ele não conseguiria fazê-lo se não opusesse o polegar. Essa oposição é muito curiosa, porque pressupõe que afastemos um pouco, com o polegar, e com isso conseguimos fugir da apreensão, obtendo, da mão, condições que nos permitiram sobreviver através de todas espécies, criando instrumentos perfurantes, conseguindo fazer muitas coisas que as outras espécies não conseguiram. Portanto, este é um gesto com que o homem partiu para a apreensão da delicadeza, para a busca também da beleza. (A seguinte)
Quando sentimos todos esses grupos, é interessante constatar que, no comportamento humano, existe uma diversidade, uma grande pluralidade estética, que infelizmente, hoje, foi muito invadida pela televisão, pela mídia, mas que continua sempre procurando ser mais territorial – dentro daquele conceito de beleza um pouco voltaireano; Voltaire perguntava: - Pour le crapaud, quel est vraiment pour lui le sense de la beauté?- Quer dizer, qual o sentido da beleza para o sapo? - La crapouille com seu ventre chato, seus olhinhos lisos.
Existe muito isso, porém cada vez menos, e cada um desses grupos dos tapuias (mesmo aqueles mais isolados) está sendo invadido pela Net, pela televisão. De repente, começa a ser criado um conceito, que não é verdadeiro, dentro daquele sentido ético, mas que é um conceito que se impõe, que pode, de uma certa forma, fazer com que o outro se perca um pouco no conjunto de sua própria harmonia. (A seguinte)
Portanto, cada raça tem seu conceito de beleza e, dentro de uma mesma raça, cada ser humano tem uma forma particular de perceber, raciocinar e julgar a sua imagem. (Seguinte)
Quanto a essa imagem, que sentido seria este? É uma imagem que nós percebemos, aquela que a nossa empatia percebeu, como o outro se vê. É que nós sentimos, nesse belo quadro de Rockwell, que essa jovem, tendo no colo uma figura de Joan Crawford, ela já está se indagando, tão jovem: “Como eu serei?” Todo esse aspecto da empatia, esse aspecto do espelho, torna-se permanente, desde que o sentiu o primeiro Narciso. (A seguinte)
Sendo mítica esta procura da mulher corporal, ela sempre foi muito profunda. Nós notamos que Dalí, mostrando o rei e a rainha, com a mandala do tempo atrás, aqui simboliza a rainha na continuidade da espécie, como no Ramayana; o homem sendo a semente, ela é o campo. Mas o rei nos faz sentir – e várias pessoas nos procuram, muitas vezes, querendo reconquistar aquele poder da juventude, conforme vamos ver, depois, no estilo faustiniano - uma posição social, uma posição de força, e o rei não precisa nada disso. Nenhuma operação irá melhorá-lo. Ele já tem a coroa, não tem nem corpo; ele só tem a coroa, que é o seu poder. (Seguinte)
Aqui notamos que a tentativa de recuperar o equilíbrio entre o ego e o mundo exterior sempre foi uma constante na vida do homem: essa constante da própria imagem refletida, essa constante que é um pouco da natureza, nós a sentimos em todos os aspectos da evolução da espécie. (Seguinte)
Agora, nesse belo Baltius, sentimos que existe, às vezes, um lado reichniano, um pouco do lado direito, e um lado platoniano, porque Reich, ao criar um esquema parecido com este, no fundo, não deixou de tirar um pouco a carapaça. Quando Platão sentiu a dificuldade de a carapaça se comunicar com a psique, o lado de cá passou de eido à idéia, porque a idéia aí é ver os dois iguais, é ver o corpo e a idéia iguais, tudo era um corpo só. Na realidade, sabemos perfeitamente que entre o equilíbrio perfeito, de um lado e de outro, vem o sentido da auto-estima que, hoje em dia, está sendo tão valorizado e com tanta razão: esse bem-estar da pessoa com a própria imagem, esse direito ao bem-estar com a própria imagem.
Se, por exemplo, dentro do lado mental, tivermos um obstáculo, vamos fazer com que a energia, que deve fluir pelo corpo, pare de fluir. E não fluindo, o processo final, essa resultante final, que seria o lado de uma pessoa socialmente ou altamente útil e capaz, não se realizaria. Nós podemos, assim, compreender, através desse esquema fácil, que, se houver uma dificuldade, uma correção a ser feita do lado direito, ou seja, se a somática, se esta correção estiver tão profundamente influenciada pelo lado mental psíquico, por mais perfeitamente que isso seja feito, nunca vai dar à pessoa o seu bem-estar, a sua tranqüilidade.
Por outro lado, se tivermos uma pequena deformidade que esteja realmente influenciando - talvez pouco importante para os outros, mas muito para o seu portador -, vamos conseguir uma grande melhoria, e um ser socialmente mais ativo, porque a cirurgia vai fluir. Esse conceito, portanto, é difícil; o contato que temos com o paciente é profundo, do ponto de vista do interesse de conhecimento. Muitas vezes, existem erros, mas a vontade, neste perfil psicológico, é sentir se realmente podemos ou não devemos, ou se temos o direito, se vamos auxiliar ou não. Mas é evidente que, nesta procura, conseguimos distinguir aqueles que podem ser mais beneficiados. (A seguinte)
Ainda, por outro lado, sentimos que tais relações interpessoais, embora sempre efêmeras, dão a esta primeira impressão um aspecto de muito valor, como sempre deram, e hoje mais do que nunca. (A seguinte)
Portanto, a procura deste ego, que faz muitas vezes pensar: Por que somos imortais? é um sentido que tem feito com que o homem, na sua longa trajetória, em qualquer momento de sua vida, queira estar bem com a sua própria imagem. Tenha ele 90, 70, 50, 40 ou 15 anos, como aquela jovem, essa maturação é permanente. Não existe tempo de maturação do ego, e eu diria que estamos mais maduros, talvez, quando, diante de situações pouco confortáveis, nos sentimos menos desconfortáveis. (A seguinte)
Portanto, desde os tempos mais remotos o homem sempre procurou sua identidade, o seu par, a sua tribo, o seu grupo social; ele nunca quis ser diferente. É curioso que aquilo que a pessoa procura - e muita gente pensa que é o sentido da vaidade, porém vaidade seria ser diferente - é ser parecida com outra do seu grupo, na medida em que tal diferença implique o distanciamento do seu grupo. (A seguinte)
A identificação do grupo social define, de uma maneira importante, o padrão estético e o comportamento do ser humano. (A seguinte)
Essa necessidade de uma vida comunitária ativa, de aceitação no próprio grupo social, representa sempre uma autocrítica, dependendo dos grupos, dependendo da comunidade. Mas sempre existe uma certa autocrítica em relação à aparência física, principalmente no que concerne às criancinhas. Uma criancinha que tenha orelha em abano, uma criancinha que tenha qualquer outra pequena dificuldade, vai sempre sentir que, diante de algum problema, as outras crianças vão imediatamente se dirigir para aquele fato. (A seguinte)
A miscigenação no Brasil proporcionou realmente uma gama variadíssima de padrões estéticos. Assim, temos uma diversidade de solicitações e de expectativas, que os grupos almejam, muitas vezes fora de sua realidade harmônica, e talvez mesmo dentro de um conceito que seja falso. Então, cabe a nós conduzi-los e vamos chegar a esse ponto, que é importante. (A seguinte)
E nós aprendemos muito na Santa Casa lidando, há mais de quarenta anos, com a população carente do Rio e de todas as partes, que independentemente de classe social ou nacionalidade, o ser humano é um só, na procura de identidade com os seus pares, com a sua tribo, com o seu grupo. (A seguinte)
O paciente vê o cirurgião plástico, muitas vezes, como um pintor, um escultor de formas vivas. Lidamos com um ser que é, ao mesmo tempo, racional e sensível, consciente e inconsciente, corpo e alma. Tudo isso dificulta um pouco, pois, de um lado, estão os problemas daqueles com quem nós lidamos, e de outro, tudo aquilo que tais pessoas, com quem vamos lidar, estão esperando encontrar em nós. (A seguinte)
Neste sentido, aos olhos do paciente, somos vistos um pouco como um verdadeiro Fausto; você nota o aprendiz de feiticeiro, quer dizer, não temos aquela oferta de Mefistófeles, aquela magia da juventude eterna através da sua Gretchen, nem temos o beijo de Helena. Estamos numa postura um pouco mais cautelosa, um pouco mais calmos, mas não podemos deixar de sentir que, quando o paciente idealiza, deveríamos ou tirar essa idealização da sua força, e transformá-la na realidade, ou operá-lo. Temos que operá-lo, dentro de uma normalidade de compreensão. (A seguinte)
Portanto, tal como o pintor prepara a sua tela, as suas tintas, e o escultor prepara a sua pedra, temos o dever de preparar o corpo humano, o ser, antes de nele intervirmos. O que é que vem a ser prepará-lo? Quer dizer: fazê-lo compreender mais as nossas deficiências de que as nossas possibilidades, porque o corpo lúcido toma iniciativas e ele se inclui nessas decisões. (A seguinte)
O cirurgião, por outro lado, é um escravo da forma e da anatomia. Ele está, portanto, muitas vezes limitado na sua própria criatividade. (A seguinte)
Nós sentimos, neste Rembrandt magnífico, que essa Lição de anatomia que todos conhecem, mostra muito bem essa importância. Cumpriria aqui acrescentar que estamos muito menos sujeitos à nossa força criativa do que às rígidas leis da anatomia e à própria ortodoxia da forma. (A seguinte)
Ainda enfrentamos outras limitações, além das anatômicas, como sentimos aqui na representação que Fuchs faz da Cabala. Sentimos que estamos diante de um ser que pensa, que se interpreta e que escolhe o seu próprio Deus, para fazer-se até Deus na Cabala. (A seguinte)
Por conseguinte, para o cirurgião a beleza tem um sentido amplo, ligado ao bem-estar do indivíduo. Urgente é tornar normal aquilo que não é. E normal, na realidade, é o que não se nota. Quando a pessoa diz que está tão bem, então, ela não está tão bem. Normal é o que não se nota. (A seguinte)
Na sua busca de criar a beleza externa, o cirurgião esforça-se para descobrir a essência do indivíduo. E aqui estamos voltando, de novo, àquela parte arquetipal, platônica, e procurando descobrir aquilo que existe além da forma pura, que é aquilo que vai nos levar à beleza eterna, vai nos levar a Deus. (A seguinte)
Mas é uma procura, é só uma busca. E a nossa percepção não poderia ser verdadeira se não procurássemos sentir o outro, compreender seus anseios, pois, sem essa interação, tornar-se-ia impossível proporcionar-lhe a reconquista do que queremos, da auto-estima perdida, que é o objetivo maior de todo o nosso ato criativo. (A seguinte)
Neste pequeno esquema, sentimos que é fundamental que o médico avalie se as necessidades do paciente são compatíveis com o que a cirurgia pode lhe oferecer. Sentimos aqui que o cirurgião tem que possuir empatia para procurar compreender o paciente; o paciente precisa ter compreensão das nossas possibilidades e limitações; e, evidentemente, a técnica adequada é nossa obrigação - na parte pragmática, temos a obrigação de estar formados para podermos aceitar alguém, para tratar dele. (A seguinte)
O corpo e o tempo - portanto, nesse sentido, em poucas palavras, vamos sentir que os acontecimentos vão se passar, numa forma diferente, em cada setor do corpo e do tempo. (A seguinte)
Às vezes, ao longo do tempo, encontramos pessoas que permanecem muito jovens. Achei muito bonita esta frase do livro O velho e o mar, quando Hemingway diz assim: “Tudo que nele existia era velho, com exceção dos olhos, que eram cor do mar, alegres e indomáveis.” (A seguinte)
Quer dizer que, enquanto existir esse sentido do envelhecimento, fugindo desse relógio daviniano, e apenas do mecanismo fisiológico que compreende o físico, fenômenos biológicos, bioquímicos, culturais, antropológicos, a curiosidade tem que ficar permanente, porque aí ainda estamos diante do momento de amanhã, que é a nossa eternidade. (A seguinte)
Esse envelhecimento não é visto com muito prazer, e sim com uma certa ansiedade. (A seguinte)
O que nós procuramos era isso. Uma brincadeira que o Dalí fez com Marilyn Monroe. Observa-se que é engraçado esse quadro, porque, no fundo, a face é a identificação do ser com o mundo. É através dela que expressamos as nossas emoções. Por outro lado, muitos interpretam as características da face como indícios da personalidade e do caráter. Isso, conforme os senhores sabem perfeitamente, foram coisas lombrosianas, coisas que o tempo provou não serem verdadeiras, mas a interpretação subsiste. (A seguinte)
Portanto, o propósito da cirurgia do envelhecimento facial é o de ajudar o indivíduo a trilhar, com mais tranqüilidade, o caminho do envelhecer. Este quadro aqui, por acaso, não sei se todos o conhecem, mas eu já o conhecia. Quando vi este quadro, há pouco tempo, estava fazendo uma conferência em São Francisco, e não sabia que pertencia ao acervo daquele Museu de Arte Moderna, relativamente modesto. É o famoso quadro La femme au chapeau, de Matisse, que ele fez de Gertrude Stein. O irmão de Gertrude, Léo, não quis pagar o preço que Matisse pedia. Na época era ele um copista, porém trata-se de um quadro extraordinário, que traz para nós uma grande emoção estética. (A seguinte)
E aqui o Erasmo de Rotterdam; o nariz também envelhece, ele tinha outras coisas a contar. (A seguinte)
Mas é interessante sentirmos como é curiosa essa situação, com cada órgão. Por exemplo, sentimos nos romanos, e desde antes dos romanos, que o nariz tem uma situação anatômica, e pelo conteúdo simbólico que ele recebe, constitui o ponto central e é um fulcro da face. (A seguinte)
Os romanos consideravam o comprimento do nariz como indicação de masculinidade e virilidade. Eu diria que, na época, havia muitas romanas um pouco desapontadas... Quando observamos a anatomia nasal, verificamos características similares entre o nariz e os órgãos genitais. Isso é verdade, ambos apresentam tecido erétil e são controlados pela psique. Vejam como isso é complicado, embora pareça simples. (A seguinte)
Entretanto, essa importância simbólica do nariz tem sido atribuída a diversos fatores, alguns de natureza sexual. Na Índia e no Egito, há 3.500 anos, e na Alemanha, durante a Idade Média, uma pessoa acusada e condenada por adultério era punida, geralmente, com a amputação do nariz, uma castração simbólica. E deve-se dizer que, até hoje, nós empregamos um método indiano, que provém de um cirurgião chamado Xuxutra, que adquiriu, na época, uma grande experiência. (A seguinte)
Neste belo Raphael, sentimos que o jovem adolescente e mostrado naquele momento em que, muitas vezes, pode colocar o nariz como o refúgio de uma série de dificuldades ligadas ao seu relacionamento afetivo. Ele pode dar, então, nesse momento, uma excessiva importância a certa pequena deformidade.
Então, isso estaria dentro daquele esquema de Reich. De um lado e do outro, ele estaria sublimando uma série de problemas de ordem anímica. São casos muito difíceis de operar. Não porque seria tecnicamente difícil conseguirmos o resultado e a satisfação, mas porque eles estão procurando corrigir algo mais profundo do que a sua deformidade. Isto não se aplica a todos os casos, porém, nos casos em que conseguirmos diagnosticar um desses fenômenos, não devemos operar. (A seguinte)
Descendo um pouco da face, constata-se que o ego humano é primordialmente o ego corporal, todos sabemos disso, e Freud também. (A seguinte)
Essa auto-percepção do corpo é mais importante, curiosamente, do que a percepção dos outros. Nós nos observamos muito mais; embora alguma percepção dos outros possa ser ofensiva, como dizem os franceses, ela é ofensiva quando toca a verdade. (A seguinte)
O ser humano é o seu corpo; o seu corpo é sua forma de estar no mundo. A expressão corporal indica, tanto ao cientista, quanto ao artista, o movimento da anima. Sentimos o ser humano, sentimos quando ele anda, como ele está. A anima, sentimos através da sua movimentação. (A seguinte)
Essa avaliação da arquitetura corporal envolve, portanto, uma análise minuciosa de cada estrutura. O equilíbrio global de seus elementos vai se complementando, através dessa percepção muito lúdica do indivíduo e de seus anseios. Quando digo “muito lúdica”, é porque essa percepção, muitas vezes, não se coaduna com aquilo que o paciente pretende do cirurgião, e de novo entramos na volta daquele primeiro fenômeno. (A seguinte)
No corpo e no tempo, há alguns detalhes rápidos, que vamos passar nos slides, como a mama, por exemplo. Todos nós sabemos de sua importância dentro da maternidade que, ao mesmo tempo, é um êxtase e uma agonia. É nela que a mulher se perpetua, se modifica, dá continuidade à espécie. O Ramayana já dizia: “Se o homem é a semente, a mulher é o campo.” (A seguinte)
E aqui, ela tem como objetivo restituir, ao corpo em sofrimento, sua função e dignidade. (A seguinte)
A experiência adquirida ao lidar com pacientes de tantos núcleos, atitudes diferentes em grupos sociais diversos, foi nos ensinando que o sofrimento é o mesmo. O ser humano é um só e o bem-estar, na sua intimidade, não é apenas conseqüência da saúde orgânica. É muito o sentido de conviver em paz, em conviver tranqüilamente, com a sua própria imagem. (A seguinte)
Terminando, portanto, eu diria que esta bela Place de Tertre, tela de Renoir que todos conhecem, mostra essa felicidade, esse bem-estar, que a cirurgia plástica encerra: uma finalidade transcendente, que é a tentativa de harmonizar o corpo com o espírito, a emoção com a razão, visando estabelecer o equilíbrio interno, que permita ao indivíduo sentir-se em harmonia com a sua própria imagem, e se possível, com o universo que o cerca.
O corpo, assim como a face, sofre alterações com o passar do tempo. É evidente que todos sabemos que esses hábitos saudáveis, todos eles, podem suavizar a passagem dos anos. Mas a cirurgia não é uma necessidade, absolutamente; ela seria uma complementação, muitas vezes, de uma deformidade, de uma vida que necessita alguma coisa mais, mas não é, de modo algum, insubstituível. Ao todo, o melhor que podemos fazer é levar uma vida digna, suavizando o peso dos anos, sem substituir, contudo, a magia da plenitude de uma vida. Ela não substitui a plástica. (A seguinte)
E aqui sempre gosto de colocar esta frase do Ulisses, porque é muito bonita, quando, depois de deixar Penélope em casa, resolve sair de novo, além das colunas de Hercules e Jennyson. Todos os poetas, inclusive Tennyson gostaram desta frase. Nós vamos reencontrá-la no Canto XVIII de Dante, quando ele pergunta aos seus homens se são animais ou porcos, colocando-os nos barcos, e os remos dos barcos se transformam em asas.
Tennyson colocou estes lindos versos: Disgrace period yearning in desire (morrendo de desejo) / follouring knowledge like a thinking star, / into beyond the utmost bound of human thought, indo além, muito além daquela última estrela, não desanimar, continuar sempre. É por isso que Ulisses é um pouco um líder, entre tantos que pensam neste aspecto da continuidade. (A seguinte)
Envelhecer não é apenas um fenômeno fisiológico, quando deixamos de sonhar e de perseguir nossos sonhos. Quando perdemos o interesse por tudo que nos cerca perdemos também o sentido da procura. E esta procura, ulissiana ou não, é a essência do viver.
Muito obrigado.