Não gosto de fazer previsões e não sou dada a exercícios de futurologia. Mas quando tento analisar uma situação, procuro ter em vista aonde quero chegar e quais podem ser os melhores caminhos para que o objetivo seja alcançado da forma mais eficiente e com o mínimo de perda. Ou seja, acredito em planejamento, não em profecia. Talvez até por causa da história de “Alice no País nas Maravilhas”, lida na infância. Quando a menina está perdida e pergunta ao Gato de Cheshire qual o caminho para sair dali, ouve a resposta lógica: “Depende muito de para onde você quer ir...” Conselho que não custa nada seguir. Mas parece ser simplesmente ignorado quando quem devia agir com responsabilidade fica feito barata tonta, entre idas e vindas. E tem de pagar o preço por não ter olhado para a frente nem se preocupado com a conta que ia chegar.
Nestes dias pré-carnavalescos, passa na rua um bloco animado, cantando o refrão que Didi e Mestrinho imortalizaram há anos num desfile da União da Ilha. Primeiro, se pergunta: “Será que eu serei o dono dessa festa?” A resposta vem depois. Pode ser linda e poética no carnaval, mas é um desastre quando a administração de um país a adota como mote implícito, no vale-tudo de ignorar consequências: “É hoje o dia da alegria, e a tristeza nem pode pensar em chegar.”
No início da década de 1970, muitas vezes se citava como bordão a frase bíblica então trazida de novo à circulação pelo ministro da Fazenda, Mario Henrique Simonsen: “O futuro a Deus pertence.” Era uma maneira de recusar previsões econômicas deterministas. Por outro lado, anunciando também seus traços de futuro ministro do Planejamento, Simonsen se batia era pela formação de expectativas racionais. Como se, ao recusar a mera profecia ou a promessa, fizesse questão de clarear a necessidade de planejar.
Num governo, a economia e a administração de um país precisam olhar para o futuro. E se apoiar em análises racionais para traçar planos. Em meio a este festival de improvisos governamentais a que estamos assistindo, é preciso fazer um esforço para entender a realidade, o que acontece nela, e planejar o que se quer que ocorra.
Há pouco tempo o ministro Mantega garantia que quem apostasse na alta do dólar iria quebrar a cara. Amparada em Lula e Mercadante, Dilma apoiava seus conselhos. Chamou de rudimentar o plano de ajuste do ministro Paulo Bernardo, mesmo adjetivo que usara, quando na Casa Civil, sobre as propostas econômicas do ministro Palocci. Turbinou sua campanha com bravatas marqueteiras, ataques inescrupulosos às ideias diferentes das suas, e elogios à “nova matriz econômica”. Das duas, uma: ou mentia sem qualquer limite ou acreditava mesmo naquilo e atestava sua mais absoluta incompetência, como os fatos vieram a comprovar. Deixou Levy ser fritado vergonhosamente. Dá para ter qualquer esperança de que agora tenha subitamente aprendido algo e saiba do que está falando quando se manifesta sobre economia? Não imaginava que chegaria a hora de pagar a conta das teimosas decisões equivocadas? É hoje o dia. Da agonia.
Como se isso não bastasse, além de ser impossível ter total certeza a respeito do que os fatos vão nos trazer e do que tudo indica que será a consequência futura de causas passadas, ainda há o elemento realmente imprevisível, que sempre se manifesta. Alguns são súbitos, como o desastre de Mariana. Outros se constroem mais lentamente, correndo o risco de só serem detectados de forma tardia — como a expansão da microcefalia a partir do mosquito que está aí há um tempão. E há a crise da Previdência, prevista há anos, cuja reforma foi sempre detonada pelo PT. Agora se constata que ela ajuda a quebrar o país.
Há outros problemas graves a serem enfrentados já. Não há desculpa para a miopia em enxergar as questões ambientais. Pode ser conveniente jogar a culpa em El Niño ou reunir um Conselhão para uma foto. Mas não resolve. O meio ambiente pede socorro urgente. O mundo se afasta da primazia de petróleo e combustíveis fósseis. Nós vamos na contramão. Como é que a esta altura a presidente veta investimentos em energias alternativas no plano plurianual? Não pensa no amanhã? A situação de nossas cidades, a falta de saneamento, o descontrole do desmatamento, tudo isso precisa ser analisado a fundo, para que se tenha um diagnóstico correto e se possam tomar medidas em direção a sua solução. Urgentes. Não se trata de ameaça ao planeta, ele sobreviverá. Se continuará como habitat da humanidade, é outra história. Nós é que estamos nos ameaçando.
Precisamos fazer algo, já, em vez de nos resignarmos ao mero blá-blá-blá, nos dando ao luxo de brincar de cabra-cega, ou docilmente seguirmos outro bloco que passa, cantando outro samba da União da Ilha: “Como será o amanhã? Responda quem puder. O que irá me acontecer? O meu destino será como Deus quiser.”
Ou como nós construirmos? Depende de onde queremos chegar.