O Natal é talvez a mais simpática das convenções da civilização cristã ocidental, embora, com o tempo, tenha se transformado mais em ocidental do que em cristã. Mas isso não nos importa. Importa é que o Natal é um oásis de protocolar e epidérmica boa vontade entre os homens.
Convencionou-se um "espírito de Natal", que inclui uma decoração específica, um peru específico e alguns ritos também específicos. Mas, além das decorações, dos perus e dos ritos, a humanidade procura realmente esforçar-se para merecer um Natal que seja digno do Natal. No resto do ano, os homens flutuam entre a calhordice e a estupidez. A pausa é necessária, quanto mais não seja, para relaxar ódios e tensões.
Há o Natal de cada um. E há o Natal das coletividades, dos grupos, das nações. O nosso Natal particular cabe a cada qual merecê-lo e executá-lo. Mas o Natal genérico, o Natal de uma nação fica, na maioria das vezes, limitado ao arbítrio e à boa vontade de alguns poucos homens. Que mandam ou desmandam na coisa pública cada vez mais necessitada de doações suspeitas e corrupções que sequer são suspeitas, são evidentes e geralmente não punidas. Pergunta: qual o Natal que o atual governo dará ao povo brasileiro?
A Constituição garante assistência médica para todos, mas os hospitais públicos estão exigindo cada vez mais que o internado traga de casa o algodão, a gaze, o esparadrapo, as seringas e as agulhas, os antibióticos, os soros, os bisturis, as sondas uretrais, os filmes para o raio X e a comida vegetariana para aqueles que não podem comer carne.
Para cortar despesas da máquina estatal e equilibrar o orçamento que aumentará o deficit interno, evitando as pedaladas fiscais, o doente de cirrose hepática terá de levar um fígado em boas condições. E em alguns casos, um urinol dentro do prazo de validade.