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Protesto e receita democrática

 

A passagem do humanista e pensador Régis Debray pelo Rio de Janeiro enriqueceu a prospectiva das próximas semanas, diante do que se pensava fossem os cenários seguros deste segundo semestre. Como, de saída, por exemplo, no avanço das direitas no Primeiro Mundo, e, sobretudo, a partir da situação da força política da família Le Pen, na extrema direita francesa. Deparamos aí o conflito entre pai e filha chegando ao paroxismo, dilacerando a força do que se via como a mais óbvia das próximas soluções eleitorais no país. Trata-se de conflito sem volta em que pai e filha se acusam de traição, na captura dos votos extremistas do país. O patriarca acusa Marine de uma opção por uma economia estatal e uma nova escalada do fisco, em verdadeiro anátema do credo feito crença do partido. 

Vimos, também, o inédito da política cambial da China, que toma a iniciativa de desvalorizar o yuan, num avanço da soberania cambial, independentemente, por inteiro, de qualquer crise na posição internacional da moeda chinesa. Já nos Estados Unidos, as sucessivas gafes de Trump, sobretudo nas frases infelizes o seu antifeminismo, não atingiram o seu favoritismo eleitoral. O mais provável, também, é que rompa com o partido e concorra como candidato independente, possivelmente até com vantagem sobre a filiação republicana. A compor todo esse quadro, o desfecho, entre nós, dos panelaços reforçou o situacionismo político com a pobreza da ida às ruas e a volta às faixas com pedidos por um governo militar. 

Ao mesmo tempo, a ida às ruas tem um ator nítido. É da classe média alta, com mais de quarenta anos, numa clara ausência da mocidade. Os slogans reacionários se repetiram, sem, inclusive, a frequência de palavras-chave definindo uma coesão concertada do empenho contestatório. Não há a falar em qualquer contaminação, pelo protesto, do dito "povo de Lula", que entrou na economia de mercado desde a chegada do PT ao poder. 

O pedido de impeachment esmorece, e a situação do Planalto confirma o dito político: "a democracia só se reforça pela democracia", e o passo adiante é o da fuga a toda provocação, no reforço de todas as franquias à liberdade de expressão. É a garantia do protesto nas ruas, a exaurir-se na força dos seus gritos e no cansaço de suas palavras de ordem.

Jornal do Commercio (RJ), 21/08/2015