Não há no Brasil uma universidade que tenha comemorado 100 anos de existência. Enquanto isso, em Portugal, a tradicional Universidade de Coimbra (UC) faz 725 anos, em meio a grandes e merecidos festejos. Possui 14 mil alunos, dos quais, 2 mil são brasileiros. É a maior universidade brasileira fora do nosso país. Nela estudaram personalidades ilustres, a maior das quais talvez tenha sido José Bonifácio de Andrada e Silva. Era hábito das famílias de alta renda enviar os filhos para se formar em Coimbra, especialmente nos cursos de direito.
Em entrevista ao jornal Público, o reitor João Gabriel Silva assinalou o peso da história na única universidade do espaço de língua portuguesa até o século XX: "Somos uma das cinco universidades do mundo que receberam o título de patrimônio da humanidade". Costuma-se afirmar que foi na UC que nasceram dois países, Portugal e Brasil. "Quase 80% dos ministros que integraram os primeiros governos após a nossa Independência, em 1822, eram antigos alunos de Coimbra".
O acadêmico e historiador brasileiro José Murilo de Carvalho, doutor honoris causa da UC, costuma dizer que o Brasil é um país por causa da Universidade de Coimbra, que formou os seus primeiros bispos, juízes e administradores. Em artigo recente no jornal O Globo, a cantora e colunista Adriana Calcanhotto afirmou que "na Universidade de Coimbra está, antes de tudo, o amor ao conhecimento".
Hoje, a UC está virada para o futuro, com grande interesse na clientela chinesa, às voltas com os mercados do Brasil e de Angola, mas sem perder a notória prioridade pela língua portuguesa. Está para ser inaugurado o Centro de Congressos de Coimbra. O primeiro evento, o Congresso Internacional da Língua Portuguesa, será em dezembro, no Convento de São Francisco, sob a coordenação do especialista Carlos Reis. O objetivo é fazer uma reflexão multidisciplinar para responder aos desafios que a língua portuguesa enfrenta, inclusive as incompreensões, ligadas ao acordo ortográfico, além do chamado conhecimento científico e aspectos marcantes da literatura em português. As linguagens computacionais serão também abordadas.
Pensador de méritos indiscutíveis, muito conhecido no Brasil, Carlos Reis costuma indagar se, dentro de 100 anos, ainda nos entenderemos em português. Somos 250 milhões de falantes, mas quantos são os que verdadeiramente falam o português como língua primeira? São suas palavras: "Penso que o espaço da língua portuguesa só fará sentido se for entendido
como lugar de convivência, ou seja, como um idioma comum, sabendo incluir as vozes de outras gentes e de outras terras".
O nosso patrimônio multissecular e pluricontinental deve fugir da prejudicial fragmentação, para utilizar na plenitude o mesmo e rico idioma. É tudo o que nos inspira a Universidade de Coimbra, onde conhecemos uma das bibliotecas mais bonitas do mundo, em companhia do saudoso acadêmico Antônio Olinto. Aliás, foi uma visita memorável, pois tivemos o ensejo de falar sobre Machado de Assis aos seus alunos e, depois, debater sobre a vida e a obra do grande autor de D. Casmurro.
Ficamos felizes com o registro de que Machado é conhecido também em Portugal, a sua obra despertando interesse dos educandos, refletido nas muitas perguntas dirigidas aos dois oradores da Academia Brasileira de Letras.
Ficamos honrados com a visita, a repercussão e a certeza de que a atual geração de professores e alunos, hoje, se empenha para dignificar a instituição nascida com a assinatura do scientiae thesaurus mirabilis, o documento com que D. Dinis, o sexto rei de Portugal, criou a mais antiga universidade da lusofonia, uma das mais respeitadas do mundo.