Ele gostava de olhos verdes. Mas era daltônico. Quando se sentia atraído por uma mulher, todas elas tinham olhos vermelhos. Se houvesse olhos naturalmente vermelhos, ele obedeceria o sinal e teria vontade e coragem para ir em frente. Isso nunca lhe aconteceu.
Ele pensou em mudar de gosto, tentou gostar de mulheres com olhos azuis, mas tinha um amigo que fazia versos e se apaixonara pela mãe de seu melhor amigo (isso num tempo em que havia melhores amigos). Tinha olhos violentamente azuis, pensava muito nela e a desejava com o tesão de sua juventude.
Como gostava de fazer versos, e cansado de não ser correspondido, deixou um bilhete na bolsa dela: "Os vermes também comem olhos azuis". Em termos de dor de corno, não sabia ir mais longe do que isso. Evidente que a mulher não entendeu e se tivesse entendido, dava na mesma, ele curtiria sua dor de corno com um motivo a mais.
E tanto sofreu por causa dos olhos das mulheres, que decidiu mudar de gosto e intenções. Afinal, não era o importante para o amor ou o desejo. Passou a gostar das mulheres de olhos negros, chegou a aprender a canção russa mais conhecida "otchi tchorn" até que ouviu em Lisboa um cantor português cantando com a voz dos travesseiros: "teus olhos castanhos, de encantos tamanhos".
Reparava as mulheres com olhos castanhos, em Lisboa havia muitas, mas nenhuma delas lhe interessava, não apreciava o sotaque carregado, pareciam que estavam contando piada de português e brochava. Em Óbidos, ele não lembrava se fora em Caldas da Rainha ou Nazaré, chegou a se interessar por uma balzaquiana que lembrava a mãe de seu melhor amigo, de olhos medonhamente azuis. Mas na hora em que gozou, ela deu um grito: "Ai, meu Jesus!". Foi dose.