A obra “O Ateneu” é um dos clássicos da literatura brasileira. O trabalho do escritor fluminense Raul Pompéia foi lançado em 1888, justo na fase de transição entre a monarquia e a república, de paixões exacerbadas. É natural que o livro reflita esses sentimentos. Na série, “Brasil, Brasis”, a Academia Brasileira de Letras entendeu que seria oportuna a discussão do livro e suas repercussões até os dias de hoje. Entregou-nos a tarefa, ao lado dos especialistas Evanildo Bechara e Domício Proença Filho.
Assim, o que se pode discutir, ao contrário de uma falsa pedagogia moderna, foi a prática de uma educação tirana, com um diretor (Aristarco Argolo de Ramos) egocêntrico e ganancioso, achando que tinha “100 olhos”, mas promovendo a permanente aniquilação dos mais fracos. Ele procurava reproduzir na escola de 300 alunos a condição social dos pais, alegando que acima dele “só Deus”. Era uma escola só de meninos, com a prevalência dos mais fortes.
Hoje, é claro, nada disso seria mais possível. Castigos como ficar de joelhos no recreio, criando calos, nem pensar. Mas o colégio tinha lá suas vantagens, como a existência de turmas de 20 alunos. Na atualidade, há escolas públicas de 3 mil alunos, com turmas de 50/60 alunos. O regime de internato, com saídas de 15 em 15 dias, provocava um tédio insuportável, talvez a grande enfermidade da escola. Exposições eram realizadas de dois em dois anos, Aristarco tinha uma clara predileção pela banda e promovia passeios de bonde ao Corcovado, Dois Irmãos e Jardim Botânico. A violência dos nossos dias tornou essa prática um pouco mais rara, embora existam visitas guiadas aos museus da cidade.
Sobre o livro, que marcou época, há diversas peculiaridades, uma das quais o fato de ser narrado na primeira pessoa. O menino Sérgio relata todo o seu drama, a partir da recomendação do pai que o deixa no internato: “Coragem para a luta. Vai encontrar o mundo.” Na verdade, depara-se com um ambiente hostil, baseado em falso moralismo, comportamentos doentios, educadores despreparados, desvios éticos, enfim, muita hipocrisia na condução do processo. Presume-se que Sérgio seja o alterego do autor, que estudou no famoso Colégio Abílio.
Olavo Bilac e Raul Pompéia se desentenderam e chegaram a propor um duelo que não houve, para dirimir as suas diferenças. O local seria o Jardim Botânico.
Com o fracasso dos bombeiros, a escola foi lambida por um terrível incêndio. Foi a sua primeira morte. Não sobrou nada, como se registra no romance do autor nascido em Angra dos Reis. Terá sido essa a forma por ele encontrada para zerar a experiência retratada? Quando a TV Globo fez o registro da história, deu muita força e dramaticidade a esse fecho, apresentando o desabafo do professor Aristarco (vivido por Jardel Filho) prometendo reconstruir a escola, o que acabou não acontecendo. O que ocorreu, na realidade, foi o suicídio de Raul Pompéia, na véspera do Natal de 1895, com 32 anos de idade. Terá sido a segunda morte de “O Ateneu”.
Jornal do Commercio (RJ), 8/11/2013