Imperdoavelmente, me esqueci de mencionar aqui a efeméride, mas tento corrigir-me. Semana passada, Zecamunista colheu, nas palavras que ele mesmo usou, mais um cacto no espinhoso canteiro da existência. Não se sabe ao certo que número tem esse cacto e as especulações variam. Segundo Nilzete da Gameleira, que nasceu um pouco depois do marechal Floriano e regula no mínimo com Rodrigues Alves, ele busca ter com ela encontros galantes desde que ela era mocinha, o que ele nega com indignação e diz que ela foi, isso sim, ama de leite dele e, depois de velha, deu para delirar e fazer propaganda do imperialismo ianque. Já Ary de Almiro, seu companheiro em várias ações subversivas, calcula a idade dele pelas vezes em que ele foi preso.
— Tirando as rapidinhas, são nove cadeias — diz Ary. — Então eu só conto a idade dele assim: ele fez isso quando ainda tinha só três cadeias, aquilo quando já tinha sete e assim por diante. Ele só tem nove completadas mesmo, é muito pouco para uma folha de serviços como a dele, ele é bem mais menino do que a gente pensa. Se facilitar, ainda é homem para mais umas quatro cadeias, fácil, principalmente hoje em dia, que está caindo em desuso cobrir comunista de porrada e o desgaste é bem menor.
O fato é que não houve comemorações, como em anos anteriores. Sinal dos tempos, talvez. Longe vai a época em que a festa de aniversário trazia sempre uma surpresa, como na ocasião em que ele promoveu a Noite Vermelha, trouxe uma orquestra de Salvador para tocar a Internacional em ritmo de afoxé e organizou o bloco Agitadoras Agitadas, que entoou a marchinha “É Hoje Que Eu Me Coletivizo” e depois, sob os aplausos de uma multidão entusiástica, fez a lavagem dos bustos de Marx, Engels e Lenine, que ele instalou debaixo dos oitizeiros do Largo da Quitanda e o delegado mandou tirar no mesmo dia — não sei se essa foi a quarta ou a quinta cadeia.
É voz corrente também que, com a maturidade, ele vem preferindo comemorar seus natalícios discretamente, em companhia seleta. Comenta-se que, este ano, teria convidado um contingente das profissionais de elite que militam no Lupanar do Moura, tradicional estabelecimento do ramo do lenocínio, com sede em Nazaré das Farinhas, contingente esse capitaneado por Rosarito del Amparo, ex-rumbeira do Gran Circo Internacional e ainda hoje grande atração em todo o Recôncavo, onde dizem que, se ela fizer uma convocação para vê-la rebolar, vem romeiro até do alto sertão.
Mas, ao aparecer no Bar de Espanha e ser perguntado se tinha passado aqueles dias no tchi-tchi-tchicabum da rumbeira, ele se ofendeu e demandou respeito. Já era um senhor de certa idade, que não podia ter sua reputação enodoada por falsas alegações. Estivera santamente recolhido em casa, mais uma vez dando o melhor de si pela coletividade, e o que recebia por prêmio, aliás como quase sempre, eram a incompreensão e a difamação. Por que, em vez de levantar falsos e assacar aleivosias, não procuravam saber em que ele de fato estava agora empenhado e já ia transformar num movimento nacional sem precedentes, talvez até num novo partido político?
— Não precisam perguntar — disse ele, levantando a voz e fazendo cara de comício. — Eu mesmo digo. Esse aniversário me fez pensar muito no idoso. O idoso agora está na moda, só se fala no idoso, cada vez tem mais idoso, o idoso isso e aquilo. E o que é que ninguém viu? Ninguém viu a mobilização política! O idoso está ignorando a própria força! Nós somos milhões e milhões de votos e cada vez seremos mais! E temos muito por que lutar, teremos muitas bandeiras para desfraldar!
— Vamos nessa, Zeca, qual é a primeira bandeira?
— Ah, ainda não fiz a ordem de preferência, isso vai depender da assembleia geral do partido.
— Vai ser o Partido da Terceira Idade?
— Absolutamente, vamos reivindicar que o uso dessa expressão seja considerado crime hediondo. E exigiremos fuzilamento para quem falar em Melhor Idade e enforcamento para quem usar Feliz Idade, nesse ponto o partido não pode transigir. Mas esses são os aspectos negativos, vamos ter muitos programas positivos e afirmativos, como, por exemplo, o Bolsa Viagra, que é um típico programa social de inclusão, com o slogan “broxura nunca mais”.
— Mas aí eu peguei você, tem discriminação contra a mulher aí. Para o idoso, tudo bem com o Viagra, mas a idosa não toma Viagra.
— Você não esperou eu terminar. Ainda preciso ouvir as bases e ainda não defini o conteúdo do kit que vai ser distribuído às nossas queridas contemporâneas, é um problema delicado, mas as camaradas podem ficar tranquilas, jamais as trairei. Acho que vamos definir uma cesta básica de safadagenzinhas para o dia a dia delas, vai ser tudo democrático, essa preocupação eu não tenho, a gente faz um questionário para elas preencherem, não vamos tolerar nenhum tipo de discriminação ou rejeição.
— Mas como é que o partido garante que o idoso não vai sofrer rejeição? Ele pode até mostrar carteirinha de enviagrado, mas isso não impede que seja rejeitado.
— É porque você ainda não viu o sistema de cotas de última geração que eu montei. Tudo o que se fizer de agora em diante vai ter que reservar a cota do idoso, exceto pegar no pesado, é claro. Não se engane, estamos testemunhando o início de um movimento histórico, que no futuro será conhecido como a Revolta da Bengala. Antes do fim do mês, estaremos fazendo nossa primeira passeata aqui, com sorteio de dentaduras para incentivar a adesão.
O Globo, 1/9/2013