Renée Fleming passou pelo Teatro Municipal, domingo, arrastando o seu manto de rainha da vida musical americana e mundial. Sem muito esforço, majestosa mas simpática, ela começou por afastar um de nossos antigos temores, quando aparecem por aqui grandes divas que nunca vieram antes: o de sermos confrontados com os destroços de um aparelho vocal (foi assim com Jessye Norman, Kathleen Battle, Ileana Cotrubas, Gundula Janowicz). Não desta vez: o milagre está lá, um timbre de beleza imaterial, musicalidade envolvente, um modo astuto e macio de subir para os agudos levando a nota até a iluminação total. Aos 53 anos, ela sabe que tem na garganta um Stradivarius que não vai durar muito. A voz é perfeita, com o toque pungente das rosas que já se afastam do desabrochar. A sábia Fleming se cuida: no recital de domingo, só havia dificuldades moderadas nos trechos do "Otello" (ela sempre foi uma grande Desdêmona). No mais, o veludo das canções de Strauss (o Richard), um "Summertime" (já nos extras) que só poderia fazer uma jazzista americana como ela. Momentos (vários) para ficar na memória.