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A Embaixadora

 

O título de Embaixadora das Américas que foi atribuído a Nélida Piñon cabe-lhe à perfeição. Ninguém melhor para a tessitura da convivência. Sabe enfeitiçar, interlocutar, sabe escrever, sabe falar, ou repovoar presenças.

A vida de Nélida Piñon é feita de auroras.

Dá-me gosto vê-la chegar semanalmente à Academia, com aquele andar gingando como se balançar no trapézio da vida, naquela elegância de se vestir que a minha mulher tanto admira e me diz: “Veja o sapato Ferragamo, veja o vestido Marina Rinaldi” e eu vou aprendendo a perceber as marcas famosas. Continente e conteúdo famosos e de marca. Mas sem perder a simplicidade. Elegância é ser simples e Nélida é muito simples. Não quer dizer que não seja ciosa dos seus méritos e das suas conquistas. Disso é ciosíssima. E ponha ciosa nisso tudo.

No livro mais recente - e que belo livro - “Livro das Horas” - ela revela:  “Minha natureza aparentemente conciliatória empenha-se em combater a vaidade, apontada pelo Eclesiastes”.

Ao lado disso e confirmando isso, nesse mesmo livro um seu tanto autobiográfico, exclama de forma admirável: “tenho apetite de almas”. Perfeito para uma embaixadora, essencial para uma escritora alucinante, para uma colecionadora de amizade, que sabe ser mais difícil mantê-las que as iniciar.

E o apetite de Nélida Piñon não está apenas a serviço das almas, humanamente se expõe no prazer da comida para o corpo que, confessa, é também um dos prazeres do seu gosto por viagens. E faz desfilar referências ao pão quente, ao leitão pururuca, aos queijos Barthélémy, de Paris, ou do Azeitão, de Portugal, ao corned beef da deli Carnegie de New York, ao caviar dos presentes de Gabriel Garcia Marquez, ao bolo inglês que introduziu nas mesas do chá da Academia, as romãs, a omelete de queijo da receita de Julie Child, ao bolo de rolo pernambucano.

Seus livros, e este das Horas, em particular, falam muitas das suas viagens especulativas, iniciadas na infância e que lhe deram asas. Asas para ver e entender, pois o ato de viajar é sempre para Nélida Piñon a dedicação compreensiva, no aprendizado de que se orgulha, de amar. Ela é quem o diz: “A cada dia aprendo a amar. A família, os amigos, a língua, as instâncias da vida”. Só não é verdadeiro dizer que viaja mais do que deve. Isso não. As viagens não impedem de escrever, de ser amiga, de ser presença até nas ausências, de ser a boa brasileira, aquela mesma do “Manifesto dos Mil”, onde não lhe faltaram coragem cívica e pessoal, próprias de uma heroína das ideias e das ações.

Jornal do Commercio (RJ), 2/10/2012