Da leitura atenta do texto de Gonçalves Viana citado na coluna anterior extraem-se quatro princípios que, segundo ele, norteiam ou devem nortear a adoção dos termos geográficos no português: a) a equivalência das unidades léxicas, isto é, tais termos estão no mesmo nível de importância daqueles que se denominam palavras essenciais; b) a necessidade de buscar a adoção de termos que se identifiquem fonética e morfologicamente com as características linguísticas do português; c) a conveniência de restaurar aquelas formas empregadas "pelos escritores do período áureo da nossa literatura"; d) a oportunidade de modificar "as feições ortográficas que sejam evidentemente reconhecidas como arcaicas ou errôneas".
Está claro, como bem acentua Gonçalves Viana, que os dois tipos de termos "fazem parte essencial do léxico nacional", mas, como tentei mostrar, não do mesmo modo. Vale a pena, neste particular, reviver aqui as palavras muito oportunas, apesar de antigas, contidas num documento do Congresso de Geógrafos de 1893 lembradas por outro mestre da língua, Said Ali, e professor de geografia: "As relações sempre crescentes e o intercâmbio intelectual entre as nações obrigam-nos a considerar os nomes geográficos não já como fazendo parte da língua da pessoa que fala ou escreve, mas como propriedade internacional da humanidade. A sua escrita e pronúncia, excetuadas algumas poucas formas tradicionais, não mais vem oscilar de nação para nação, mas fixar-se pelo menos em sua forma principal, ainda quando formas secundárias em muitos casos continuem a existir."
É muito válido o terceiro princípio, o do atendimento a formas postas a correr pelos escritores portugueses do século XV e XVI e aceitas por outras nações, acomodando-as à índole dos seus idiomas. Neste sentido, a proposta de Gonçalves Viana vige vitoriosa no seio da comunidade científica portuguesa e repercute em trabalhos específicos sobre nomenclatura geográfica.
Vejam só: deram os antigos portugueses o nome de Suaquém (antigamente Çuaquém) a uma cidade da Núbia, na costa do Mar Vermelho. Ora bem, os franceses, acomodando-o à sua língua para pronunciá-lo aproximadamente como faziam os lusitanos, grafaram-no Souakim ou Souakin. O autor do Atlas Escolar Português, obra realizada por ordem do governo português de então, passou a grafar o nome da cidade Suakun, com visível influência francesa.
Exame acurado merece a contribuição dos clássicos. Há nela uma multidão de nomes geográficos facilmente identificados; outros há cuja identificação não se pode reconhecer nos mapas modernos, mesmo nos mais completos. Entre os identificáveis, existem também formas que os clássicos adaptaram mal, o que constitui um pecado venial em escritores que não eram linguistas, numa época em que as ciências da linguagem não contavam com os recursos e métodos dos nossos dias.
Said Ali, num capítulo muito lúcido das Dificuldades da Língua Portuguesa, intitulado "Nomes próprios geográficos", aponta alguns exemplos para demonstrar que os nossos antepassados, quando nacionalizavam tais nomes, "eram não raro desajeitados e mais ignorantes do que somos hoje" (p. 155). E o caso que fizeram com um termo germânico que entra em muitas denominações do português representado por - terra, -landa, -lândia. Comenta Said Ali que só acertaram quando fizeram 'England', 'Inglaterra', e ainda aqui "a glória de descobrir a tradução não cabe diretamente aos lusitanos, senão aos normandos conquistadores daquele país"( p.155). Assim, ao lado do já citado 'Inglaterra', temos incoerentemente 'Irlanda', 'Islanda' (hoje Islândia) e'Holanda'.(Continua)