O elemento co- teve uma vida acidentada de 1911 a 1945 nos respectivos formulários ortográficos. Gonçalves Viana preparou, para exemplificar a reforma de 1911, o ‘Vocabulário Ortográfico e Remissivo da Língua Portuguesa’, saído em 1912, e nas edições em vida (falecido em 1914), além das subsequentes até onde pudemos consultar, só registra ‘coabitar’ (e derivados), ‘coerdar’, ‘coerdeiro’.
O nosso sistema ortográfico de 1943 não dedica atenção a este prefixo, enquanto dicionários por ele orientados registram ‘coabitar’ (e derivados), mas ‘co-herdar’, ‘co-herdeiro’, sem explicar os motivos da desconcertante discordância. O Acordo de 1945, na Base XXIX, 9º, estabelece que seriam grafados com hífen os “compostos formados com o prefixo co-,quando tem o sentido de ‘a par’ e o seguido elemento tem vida autônoma:co-autor,co-dialeto, co-herdeiro,co-proprietário”. O filólogo e ortógrafo, negociador da equipe de portugueses, Francisco Rebelo Gonçalves, no ‘Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa’, saído em Coimbra, em 1947,com 713 páginas, comenta e defende as Bases do Acordo de 1945, e aí, na página 223, alude ao sentido de‘a par’ do co- que, tendo o segundo elemento vida autônoma, exige hífen, enquanto na página 229 alude ao prefixo co- sem referência ao sentido, que não admite hífen e exige a eliminação do h- inicial do segundo elemento: coabitar, coadjuvar, coadquirir, coeducação, coequação, coonestar.
Naturalmente, por não encontrar com facilidade os limites semânticos do prefixo co- preconizado pelo Acordo de 1945 em ‘co-autor’ e ‘co-herdeiro’ de um lado, e ‘coabitar’ e ‘coadjuvar’, de outro, o Acordo de 1990, sempre próximo ao seu modelo de 1945, defendeu deste a lição ‘co-herdeiro’, mas se afastou dele por incluí-lo numa série de prefixos que determinava para a presença do hífen uma única exigência: h inicial (Base XVI, 1º. a), cometendo, nesta lição, dois pecados graves: a) opondo ‘co-herdeiro’ a ‘coabitar’ e ‘coonestar’, todos com o segundo elemento começado por h-e com vida autônoma na língua; declarando, poucas linhas adiante, em que justifica o encontro de vogais iguais, acerca do prefixo co-que “este aglutina-se em geral com o segundo elemento (...)”. Estes dois lapsos levaram-nos a admitir engano dos negociadores em agasalhar a grafia hifenada ‘co-herdeiro’. A sua lição enseja a volta da boa lição de Gonçalves Viana ‘coerdar’,‘coerdeiro’, do Vocabulário Ortográfico e Remissivo de 1912, de onde nunca deveria ter saído. O já citado Vocabulário Ortográfico da Porto Editora optou pela dupla grafia ‘co-herdeiro’e ‘coerdeiro’, abrindo, em nossa opinião, desnecessária duplicidade que não se estende a ‘coabitar’ e ‘coonestar’,aí registrados sem hífen. O que importa, no entanto, é agasalhar a proposta ‘coerdar’, ‘coerdeiro’, adotada no Volp.
Escapou-nos até aqui um co-resultante da redução fonética do elemento da composição ‘complemento’, que aparece nos termos técnicos ‘co-seno’,‘co-tangente’, etc. Este co-, em rigor, entra nas formas reduzidas previstas na Base XV, 1º, reduções análogas as que temos em ‘és-sueste’, em que ‘és’ vale por 'este'. O texto oficial de 1945
não trata deste ‘co-’ lembrado por Rebelo Gonçalves (Tratado, 209), respeitando a tradição ortográfica que já vem no Vocabulário de Gonçalves Viana, que registra ‘co-secante’,‘co-tangente’. Por isso, teremos de nos corrigir e adaptar o Volp a essa Base XV, quanto ao ‘co-’ destes casos, uma redução de ‘complemento’, e voltar à tradicional grafia com hífen ‘co-seno’, ‘co-secante’, ‘co-tangente’ e análogos, correntes nos dicionários brasileiros e portugueses desde, pelo menos, 1911. A última palavra será dada pelos especialistas quando se elaborar o vocabulário ortográfico comum das terminologias científicas e técnicas.(CONTINUA)
O Dia (RJ), 18/9/2011