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Uma rosa ao peito

 

São Paulo pulou na frente do Rio de Janeiro quando pensou na criação do Museu da Língua Portuguesa (MLP). Com o apoio prestigioso da Fundação Roberto Marinho, pôde dotar o MLP dos modernos recursos tecnológicos de que hoje dispomos, para tornar mais atraente o lidar com aspectos da nossa língua e da nossa literatura.

Têm sido várias as exposições feitas naquele espaço generoso, com uma característica que consideramos das mais relevantes: o grande público das mostras e exposições é o estudantil, com ênfase na educação básica. O interesse cresceu muito, nos últimos anos, em função do início da vigência do Acordo Ortográfico de Unificação da Língua Portuguesa, fato naturalmente que não teve nada a ver com os versos de Manuel Bandeira, ali expostos, ou os estudos do acadêmico Sérgio Correa da Costa a respeito da projeção da nossa língua por outras partes do mundo.

É comovente a chegada dos ônibus escolares ao antigo centro de São Paulo. Crianças e jovens se espalham pelas calçadas para se unir depois sob o comando dos professores, que dão as primeiras explicações sobre o que vai ser visto no interior do Museu.

A tecnologia do audiovisual está presente, nos trabalhos apresentados, de tal modo que torna atraente a programação, com uma consequência que consideramos talvez a mais relevante: há estudos que comprovam o aumento do interesse da juventude pela leitura. Ao contrário do que se apregoa, o computador não está derrubando os índices de leitura. Tem sido, isto sim, elemento auxiliar de estímulo — e esse aspecto deve ser ressaltado.

Agora, com a exposição sobre a vida e a obra de um dos nossos maiores poetas — Fernando Pessoa e seu heterônimos — a consequência objetiva é o aumento da procura pelos livros do grande poeta português. Numa sala especial, a bem montada mostra, coordenada pela especialista Júlia Peregrino, recursos moderníssimos de projeção foram utilizados, com alta tecnologia, de tal maneira que é possível quase conversar com o inspirado autor do Livro do desassossego, que, aliás, ele deixou inconcluso (morreu aos 47 anos de idade).

Milhares de pessoas, sobretudo jovens estudantes, têm frequentado a exposição, em que é possível apreciar joias literárias, como o verso dedicado à única namorada da sua vida (Ofélia Queirós):

Levas uma rosa ao peito
E tens um andar que é teu...
Antes tivesse o jeito
De amar alguém, que sou eu.

Teve bons amigos, foi assíduo no Café Brasileiro, no Chiado (Lisboa), mas não deixou de viver certas angústias:

Não sou nada,
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada
À parte disso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Vivendo no período de 1888 a 1935, foi um poeta completo, para quem a rima e a métrica são incidentais, podendo ou não ocorrer. O que nunca perdeu foi o ritmo, fazendo sempre a necessária distinção entre o ser e o estar.

Na imensa mesa em que era possível compulsar as obras em várias línguas de Fernando Pessoa, é comovente a cena em que a jovem mãe lê versos para o filho de 7 ou 8 anos. Ele faz perguntas, demonstrando imensa curiosidade. Quer saber o que significa “eu me outrava” ou “morrer é só não ser visto”...

Para o grande poeta português, conhecido também em outras línguas, “viver não é necessário; o que é necessário é criar” — e ele o fez de forma soberba, sem chegar ao que mais desejava, profissionalmente: “Ser um super-Camões!”

Desde criança gostava de imitar pessoas. Ao tornar-se adulto, com o desenrolar da sua obra, chegou a criar 72 pessoas, entre as quais os também famosos heterônimos Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos e Bernardo Soares. Escrevia dando a cada um deles personalidade distinta, numa prova da sua imensa capacidade de fingir: “O poeta é um fingidor”. Mas fazia questão de esclarecer que “fingir não é mentir”.

Sua existência girou sempre em torno da vida literária, a que deu absoluta prioridade. Leu muito, como é aconselhável, dominando a complexidade de autores como Baudelaire, Schopenhauer e Padre Antônio Vieira, a quem chamou de “imperador da língua portuguesa”: “Ele sempre me emocionava às lágrimas”.
Na transposição de Alberto Caeiro, Pessoa declarou o seu profundo amor à natureza:

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,

Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é amar,
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar...

É o pensamento do poeta nascido Fernando António Nogueira Pessoa, com um pormenor essencial: “O meu nome é muitos”. Perdeu o pai aos cinco anos de idade, apegou-se à mãe e adorava música. Pois essa característica é que deu colorido especial e ritmo próprio à sua extraordinária obra poética.

 
Correio Braziliense, 15/1/2011