Companheira dos usuários, a língua participa dos acontecimentos e mudanças históricas por que eles passam, sucessos ou fracassos. A língua portuguesa, transplantada à América por nossos descobridores e colonizadores, chega ao Brasil no século 16 num momento promissor.
A atmosfera cultural impulsiona o falante da língua a criar vocábulos novos, conhecidos pelo nome de neologismos. Os neologismos podem começar por utilizar a prata da casa, alargando a família da palavra com a utilização de prefixos e sufixos: pátria, patriotismo, patriotada, etc. Outros neologismos vêm do contato com outras línguas, caso em que são chamados empréstimos. Uma concepção antiga de língua 'pura' via com maus olhos esses empréstimos exóticos,oriundos de outras línguas, fazendo exceção aquele que viesse do latim e do grego. Ocorre que não há língua de cultivo pura, sem auxílio do patrimônio de outras línguas, com as quais um idioma entra em contato. Os filólogos, gramáticos e escritores de boa formação não entram no rol dos puristas.
Na feliz declaração do nosso historiador Capistrano de Abreu, José de Alencar foi quem melhor teve a intuição da vida colonial brasileira, e é este romancista que, em 1872, na "Bênção Paterna" aos Sonhos d'Ouro, denuncia o anseio da sociedade dessa fase da vida brasileira: "Notam-se aí, através do gênio brasileiro, umas vezes embebendo-se dele, outras invadindo-o, traços de várias nacionalidades adventícias; é a inglesa, a italiana, a espanhola, a americana, porém especialmente a portuguesa e francesa, que todas flutuam, e a pouco e pouco vão diluindo-se para infundir-se n'álma da pátria adotiva, e forma a nova e grande nacionalidade brasileira'.
Vê-se por esta passagem que a língua da nacionalidade brasileira, consubstanciada nos dois séculos anteriores com o enriquecimento da contribuição das línguas indígenas e africanas, passou a receber também a contribuição de outras nações que vieram ajudar os brasileiros a construir a nova sociedade. A contribuição expandia-se nos vários domínios culturais, desde os degraus da ciência até aqueles do dia a dia do cidadão comum. Dentre avariada gama das variantes lingüísticas (as fonéticas, morfológicas, sintáticas e lexicais), as mais suscetíveis de novas aquisições são as lexicais, porque o vocabulário é a mais larga porta do idioma para contacto com o mundo exterior, com os laços culturais com outras nações.
José de Alencar estava atento a esses contactos lingüísticos, e sobre eles assim se expressa no mesmo texto já citado, reclamando dos seus criticos: "Tachar-se estes livros (Lucíola, Diva, A Pata da Gazela e Sonhos d'Ouro) de confeição estrangeira, é, relevem os críticos, não conhecer a fisionomia da sociedade fluminense, que aí está a faceirar-se pelas salas e ruas com atavios parisienses, falando a algemia universal, que é a língua do progresso, jargão eriçado de termos franceses, ingleses, italianos e agora também alemães".
O Dia (RJ), 3/10/2010