Como impacta a subcultura esses meses pré-eleitorais? O que revela, dela, o affair Samey na implacável resistência do país da cosanostra contra a República? Em que termos o moralismo do País de sempre pode contaminar o PT, e o que representou a crise da renúncia abortada do senador Mercadante, como este confronto exemplar entre o grito da consciência individual e o dever do bem público para a política da mudança? Que foi a crise dos guardiões da Fazenda no affair Lina Vieira, protestando, de vez, pela sua demissão coletiva contra a permanente ingerência de interesses estranhos na gestão do erário público?
Ao mesmo tempo, entretanto, a subcultura cobra o seu preço à dificuldade de se articular às realpolitiks da mudança. Sobretudo quando o antigo partido imaculado desmoralizou-se pelo mensalão, e o avanço político e os resultados eleitorais vão depender da ação direta da consciência sobre o processo político. E o "povo de Lula" é o ator único e emergente dessas conquistas.
Mas, nesses mesmos termos, o aparelho de poder trazido ao Planalto pelo petismo vai também dentro de seu castigo moralista, ou da incapacidade de atender à maturidade de uma práxis política, confundir-se no aliancismo, enfraquecer-se no que seja, nos seus prazos e metas, a convivência com o PMDB e os jogos emergentes de liderança. Sobretudo, entretanto, o aparelho situacionista pode já dar-se conta das pernas curtas também do mero reformismo político: a política de mudança pré-eleitoral só se comporia agora para o ganho nas urnas. Evidenciou-o a pobreza mofina do projeto recém-proposto pelo Senado. E qualquer visão realista do avanço da reforma agrária vai mostrar como o cipoal das alianças políticas defrontará o enraizamento do status quo, nas titulações inacreditáveis do latifúndio brasileiro, especialmente amazônico, e no confronto com a agroindústria e seu desmesurado poder de lobby, a partir do governador Blairo Maggi, e da consolidação paralela das reservas indígenas.
Não atingiu a consciência brasileira ainda o que é este "povo de Lula" que responde pelos 82% da popularidade do Presidente. E dentro desta visão regredida, levantam-se os cálculos eleitorais cegos ao peso real desses autores emergentes para o desfecho de 2010. Tanto é prematura a força das maiorias dos candidatos ostensivos, quanto, antes do empenho de Lula na sua sucessão, o País por enquanto só sabe para onde não volta. E a chance de Serra vai à competição entre duas esquerdas e não a um eleitorado Lula e anti-Lula.
O pleito poderá vingar-nos da nossa subcultura política na aceleração de vez de uma visão prospectiva da nossa realidade. O povo de Lula traz à cena nua das escolhas uma consciência direta, distinta das chefias políticas, das capatazias eleitorais ou das baronias mediáticas. De toda forma, desvencilhamo-nos desta prisão voluntária em que, pelo discurso da dita modernidade e da subcultura itinerante, acomodamo-nos à inércia dos estereótipos mentais, na seqüência dos sistemas instalados. Lula apartou-se de todo providencialismo dos carismas, a expor a direta percepção da realidade pelo seu povo. Ou a mostrar de vez, na intuição de Santiago Dantas, que a específica cultura brasileira, o "povo como povo" é melhor que a "elite como elite".
Jornal do Commercio (RJ), 27/11/2009