Lévi-Strauss foi para o mundo cultural aquilo que representou Freud para a psicanálise, Einstein para a física, Marx para as ideias políticas e ele para a antropologia. Era o maior intelectual vivo do mundo, o grande pensador cuja contribuição para a humanidade derramou-se para todos os campos do conhecimento humano, especialmente para as ciências sociais, e o escritor insuperável.
Conheci pessoalmente Lévi-Strauss quando ele veio ao Brasil, em 1985, na companhia do presidente da França, Mitterrand. Eu era presidente da República e com ele estabeleci uma relação de devoto. Não posso dizer que tivemos uma relação de amizade, mas um relacionamento que não foi somente epistolar nesses 20 anos, como também nas visitas que lhe fazia todas as vezes que ia a Paris. Seu apartamento modesto, sua permanente curiosidade sobre o Brasil. A reiteração daquilo que ele já dissera, que foi justamente aqui que ele, em suas incursões ao interior, convivendo com os índios, sentiu despertar a sua vocação de antropólogo.
No lançamento do meu primeiro livro na França, Au delá des fleuves, ele compareceu na Maison de la Amérique Latine para prestigiar-me. E foi extremamente generoso sobre a obra, me escrevendo: “Há um meio século, passei no Brasil os mais belos anos de minha vida e aí deixei uma parte de meu coração. Mesmo se meus passos não me conduziram ao estado do Maranhão, vivi durante meses no sertão. Em vosso texto, eu encontrei o sabor, a linguagem cheia de imagens, e sobretudo a qualidade profundamente humana de sua população. Eu amei e admirei vosso livro”. Guardo também com emoção suas palavras elogiosas sobre os meus três romances.
Visitando-o uma vez, no apartamento do 3º andar do 2 rue des Marroniers, disse-lhe que mandara fazer um documentário no Senado sobre sua passagem pelo Brasil e sua ligação com nossa terra. Ele ironicamente respondeu-me: “Que seja logo, porque não sei se o verei”. Ainda viveu cinco anos, e foi uma homenagem que muito o sensibilizou. Mandamos uma equipe entrevistá-lo, chefiada pela doutora Maria Maia, e é um trabalho da melhor qualidade. Sua generosidade, dizendo na velhice que guardava do Brasil as figuras de Mário de Andrade, Sérgio Milliet, Paulo Duarte e José Sarney.
Nosso mundo fica menor sem a sua presença, mas a aliança do Brasil para com sua obra ficará eterna nas páginas do clássico Tristes trópicos.
Espero publicar suas cartas destes 20 anos, e que hoje são relíquias, repetindo aquilo que Rilke disse quando da morte de Rodin: “Todos os grandes homens já morreram”.
Folha de S. Paulo (RJ), 6/11/2009