É difícil para o olhar do espectador escolher o que mais admirar nas telas de Sandro Donatello, se a composição, que alcança em certos momentos uma exatidão fluida quase musical, se a riqueza cromática – um uso da cor que às vezes outorga um prazer quase físico ao observador - ou se, enfim, a liberdade completa de expressão, já que as suas obras se movem, com perfeita naturalidade, entre o figurativo e o quase abstrato, entre elementos parcialmente construtivistas e um expressionismo muito pessoal.
Há nos quadros de Sandro Donatello como que uma narrativa subjacente, uma polifonia de cenas, de perfis, de vultos, de objetos, de figuras que nos induzem a imaginar sua origem dentro do mundo inumerável do consciente e do inconsciente do artista. Embora a chave – se é que existe uma chave – só a ele pertença, essas mesmas figuras, esses como que fragmentos de um mosaico destruído, exercem perfeitamente a sua função em nossa própria consciência, e na sua zona inconsciente tão mais vasta, como metáforas dos mesmos fragmentos de que somos constituídos, ambulantes repositórios de memória a andar pelas ruas que somos todos nós.
À margem de tudo isso, é marcante na pintura de Sandro Donatello uma força, um vitalismo no traço e na pincelada que faz dela uma proposição dionisíaca para todos que alcancem um momento de simbiose com ela, essa simbiose entre o artista e o receptor, através do milagre da obra realizada, que é a essência mesma da arte. É com grande satisfação, portanto, que a Galeria Manuel Bandeira oferece ao público a presente mostra desse grande artista carioca.