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Artigos

  • A claridade última de José Paulo

    Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), em 10/12/2004

    Na perfeição do silêncio entrado na madrugada, deparamos a face de José Paulo Moreira da Fonseca, já, de outra paz, as mãos transparentes e vigorosas postas em sossego, o poeta-artesão e o pintor do encaixe; do tom como da elisão do verso. Morria no Botafogo de toda a sua mocidade; da primeira turma da PUC, dos formados em Direito, saídos do Palacete Joppert, em São Clemente, dos jardins cuidadosos, pisados pela universidade que começava.O bar do Cardoso, da primeira esquina, reunia esta quase meninada, do começo do debate do existencialismo; da lufada católica do neotomismo, de Maritain e do nosso Dr. Alceu; dos caminhos da fé de Bernanos ou Gabriel Marcel. José Paulo, de todos nós, tinha a casa mais próxima, à dos pais, Dr. Joaquim e D. Dulce.

  • Celso e a fundação da nossa mudança

    Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), em 03/12/2004

    Perdemos com Celso Furtado a voz mas não o recado maior - de um economista exposto a um momento canônico da vida do espírito brasileiro - que exprimia um tempo de fundação da nossa mudança. Representou singular remate do que logrou o cientista social, num País de frágil vocação para a plenitude do pensamento feito obra.

  • O PT, noves-fora, Lula

    Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), em 01/12/2004

    A massa de reuniões em Brasília nestes últimos dias nos tirou de vez do anticlímax para perguntarmos do sentido dessa extrema movimentação presidencial. É difícil constatar-se maior presença política no poder, seus teatros e seus bastidores, que a de Lula, movimentando todos os gonzos do mando. E, sobretudo, e ao contrário de seus antecessores, guardando para o foro íntimo, e para o desfecho da hora, a condução da nossa máquina pública, no segundo tempo do mandato. O presidente impôs a prestação de contas dos ministros sem cadeira cativa, fora da área econômico-financeira, e cobrou disciplina indiscutível do PT, para a rearrumação das maiorias, com vistas à reeleição. A força federal das legendas não se compromete com os resultados municipais, na sua soma algébrica de auto-anulação, de tantas combinazzioni que não saem do terreiro das prefeituras. Afinal, após o pleito, não há alcaide que não se dobre ao petitório federal subseqüente. A osmose política, perdida toda veleidade programática, torna prisioneiros do sistema legendas como a do PTB ou PL. E ao sinalizar agora um Ministério à Roseana Sarney, Lula sabe por que extremo segura o partido já, de fato, quebrado pelo conúbio deste primeiro biênio com o PMDB. Na verdade, na proposta do Planalto não há coalizões, mas amálgamas. Não se salta fora, como se entrou na amplitude do pacto oferecido pelo presidente, nos cargos, mimos e funções, em que se abancaram os velhos partidaços, Lula propõe-se a satisfazer verdadeiras expectativas sociais, e dá outra ambição a seus parceiros que o mero ''toma lá, dá cá'' do primeiro pacote de prendas que esperaram do poder. Há mais que o convescote dos cargos de sempre. As velhas siglas podem se tornar sócias de uma negociação substantiva de mudança.

  • Bush e a regressão já

    Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), em 26/11/2004

    O Governo Bush, revigoradíssimo nas urnas, não perde tempo em mostrar o quanto o seu novo mandato lhe permite escalar no avanço da hegemonia americana, e da garantia de sua defesa para além das próprias convenções internacionais que assinou. O fulcro aí está, no buraco negro de Guantánamo e do sustento de um trato unilateral e discricionário dos cativos da Al-Qaeda, a partir da leva de meio milhar de afegãos já há mais de dois anos na prisão do Caribe.

  • Lessa, Lula, rumo Brasil

    Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), em 19/11/2004

    Nem tão de repente, Lula sofreu uma primeira vaia pública na terra de Collor. Descartou-a com o luxo de quem sabe que não é neste chão das Alagoas que se daria partida à irrupção, já pertinaz, de um dissenso efetivo à Presidência. Mas na tranqüilidade de sua reação, mostrou o quanto avançamos a todo pano na democracia profunda, que veio ao poder com o advento do partido diferente. Não estamos mais no perde-ganha imediato dos sucessos ou dos choques dos governos de elite de poder, seu prestígio, sua decadência. Entra em campo, sim, o esforço por este regime consensual de liberdades que começa por trazer o contraditório ao seio do poder; convive com facções contrárias - e estridentes - no seu bojo; mantém o confronto até que, à sua exaustão, se decante a força da decisão de governo de fato compartilhada.

  • Polarização e anticlímax

    Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), em 17/11/2004

    As eleições municipais após o segundo turno viram-se devoradas por uma transleitura. Muito mais do que a contabilidade emergente do poder local, o que contou foi um primeiro posicionamento do eleitorado, saído da aura única da vitória petista em 2002. Misturam-se um sentimento inconsciente de revanchismo, ao lado de uma visão crítica do começo de performance do governo, procurando um pré-alinhamento para a nova disputa presidencial. Em boa parte, nos sentimentos que tomaram conta da opinião pública dominou de novo o Brasil de salão, seus vaticínios e seu cinismo das pseudo-sabedorias, de que não há nada a esperar de diferente, no governo da promessa de todos os abre-alas da transformação. É um mal-estar de anticlímax, que avulta sobre a incerteza das novas rinhas no Planalto, com o desponte de atores emergentes, acreditando na descida da ladeira do governo. Teria estourado a bolha da magia do PT, no entendimento dos adversários, atingindo o capital único da popularidade do presidente, à margem de qualquer juízo sobre a sua administração.

  • Os Estados Unidos Bushianos

    O Globo (Rio de Janeiro), em 13/11/2004

    Oprimeiro disparo verbal de Bush triunfante não deixa dúvidas sobre a voracidade do propósito desses quatro anos, sem concessão, sobre o projeto do sacro império, referendado maciçamente nas urnas da América profunda. Sabe-se ungido para o que vem à frente, sem perder tempo inclusive nas mesuras com o perdedor. O “conservadorismo compassivo” passa à modelização do mundo, segundo os novos artigos de fé da democracia justaposta à cruzada antiterrorista. Entramos num “crê ou morre” do seu modelo de poder - enquanto não descansará, segundo o corão do Salão Oval, em transformar os Estados autoritários à sua imagem. Coube a Kerry, no canto do cisne, lembrar a senda aberta à reconciliação americana e que agora buscará em vão cicatrizar o racha. Desconhece Bush o desagrado da outra América.

  • Uma primeira auto-estima brasileira

    Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), em 12/11/2004

    Vencido o primeiro tempo do mandato petista desenham-se propostas de mobilização e propaganda, no melhor intuito do combate a uma aludida baixo-estima do brasileiro quanto a seu desempenho histórico. A campanha talvez seja apenas compensatória, ao que se entenderia como um desgaste inevitável do governo - independentemente da popularidade do presidente. Mas talvez acolha premissas quanto à visão do país sobre si mesmo, que foram superadas pelo próprio advento de Lula e da mudança profunda que acarretou à percepção sobre nós mesmos, vencendo estereótipos de um Brasil recém-aposentado.

  • O terrorismo prostituído

    Jornal do Commercio (RJ), em 29/10/2004

    Os dois jornalistas franceses desaparecidos nas cercanias de Mossul foram presos por bandidos, literalmente, de beira de estrada, sabedores do preço pagável pelos invasores do Iraque, e países estrangeiros a eles assimilados, para recuperar os seus nacionais. À margem de bandeiras e avisos, toda carne forasteira é fisgável e oferecida à venda no leilão do horror pós-Saddam. Dias após, arrebentam manchetes idênticas sobre duas italianas capturadas.

  • Os republicanos à direita de Deus

    Folha de S. Paulo (SP), em 28/10/2004

    A quinzena antes da eleição americana trouxe o primeiro abalo real à crença de que Bush se reelegeria fatalmente. Era certeza quase mineral, diante do começo morno de Kerry e da desproporção dos poderes de fogo das máquinas eleitorais.

  • O medo e a esperança

    Jornal do Brasil (RJ), em 27/10/2004

    O mundo debruça-se sobre o desfecho da refrega Kerry-Bush. Mas a consciência da gravidade do dilema, no próprio país, vai só aos democratas, na tradição do comportamento político dos Estados Unidos. O eleitorado de quem já está na Casa Branca só se interessa em 30% pelo que se passa lá fora e acha que problemas de governo não devem perturbar as fortalezas domésticas. Mas tal quadro, por uma vez, se alterou sensivelmente: a guerra do Iraque virou o tópico crucial do debate e Bush logrou envolver pela ''civilização do medo'', o país a que oferece seu pulso firme para vencer todo novo espectro da queda das torres. São duas Américas a votar em opções diversas sobre o paradoxo de um superpoder, que paradoxalmente é visto, pelos republicanos, como permanentemente ameaçado. O armamento máximo não deixa o país menos frágil a um novo 11 de setembro, e o caminho da paz, na outra opção, passa por um desarme do terrorismo só logrável com o auxílio da Comunidade Internacional. Não há outra saída para vencer o preconceito de hostilidade entre as culturas, a que se volta a proposta Kerry. Mas sem iludir ninguém, quanto ao prazo desta erradicação de fundo, nem de como ela exigirá, de saída, um dispositivo militar inexorável de parte dos Estados Unidos e a sua decisão para comandá-lo.

  • Bush, resignação e furor cívico

    Jornal do Commercio (RJ), em 22/10/2004

    O "New York Times", a quinze dias do pleito, declarando-se em apoio frontal a Kerry, mostra ao mesmo tempo o ineditismo de um pronunciamento de franqueza-limite em favor do candidato, e a consciência da gravidade da opção que defrontam os americanos a 2 de novembro próximo. Não é mais, inclusive, o imperativo de uma oposição comum e generalizada ao atual ocupante da Casa Branca que alimenta a candidatura Kerry. A partir dos debates - e o "Times" não esconde até a grata surpresa - impôs-se a intrínseca qualidade do democrata, e a sua capacidade de equacionar fórmulas e programas para o imediato futuro americano.A dominância das sugestões internas, por outro lado, em nenhum momento retirou Kerry da contundente oposição a Bush na catástrofe iraquiana, sem fugir ao realismo de uma permanência ainda dos Estados Unidos no fulcro da conflagração, acarretada pela cruzada bushiana.

  • Hegemonia e diferença subversiva

    Jornal do Commercio (RJ), em 15/10/2004

    Não nos demos conta, talvez, internacionalmente, do quanto a vitória de Kerry no primeiro debate reabriu uma perspectiva de possível derrota de Bush em 2 de novembro próximo. O segundo debate criou uma situação de inércia, entre os pontos ganhos e perdidos de ambos os contendores, e passa-se a jogar tudo no encontro de Arizona. A pesquisa imediata do Gallup deu uma contundente vitória ao democrata, de 55% contra 39%. E de imediato se acirrou o radicalismo republicano, diante do vigor redobrado da ameaça. Um liberal, como Kerry, passa a ser o fantasma para o status quo: o candidato foi acusado por Bush - como quem diz um palavrão - de ser o mais "esquerdista" dos senadores.

  • Salim Ribbentrop e Molotov da Silva

    Jornal do Brasil (RJ), em 13/10/2004

    As comemorações dos 40 anos da morte de Santiago Dantas tiveram o tom de um novo percutir na memória nacional de nossas personalidades canônicas ou exemplares. Não se trata só de quem exprimiu o sentido do seu tempo, ou mesmo o antecipou. Sentem os seus contemporâneos que o sinete de um exercício limite, da inteligência sem concessões, nem desculpas, nem arrogância. O desempenho tornava-se uma proeza, por si mesmo, para o ator, desengastado de platéia. Deparamos, talvez, um desses casos extremos de uma moral de performance a ter, no fundo, um único e exatíssimo expectador. Não calha o lugar comum, de ver a biografia de Santiago como a obra de arte, dos clássicos chavões em que falamos, com licença quase promíscua, da aparição entre nós, de figuras Renascentistas.

  • Entre a impaciência e a esperança

    Jornal do Commercio (Rio de Janeiro - RJ), em 21/05/2004

    Em meados de 2004 a hipótese de reeleição de Marta Suplicy em São Paulo emparelha com o sucesso possível de Serra na cidade-chave do país. É como se se antecipasse já um plebiscito sobre o futuro imediato do PT, com reflexo na renovação da confiança em Lula em 2006. Impensável esse prognóstico ainda há três meses, no apoio nacional à eleição diferente e à confiança visceral num Brasil da mudança. Esta inédita densidade de suporte começou na posse, como uma verdadeira festa no céu para o país do outro lado. A clássica trégua da lua de mel oferecida pelas oposições desenrolou-se num tapete sem fim ao êxito do governo entrante.