Neste mundo globalizado, de informação em tempo real, o contágio e a imitação fazem com que nada fique isolado e tudo se propague, se expanda como um rastilho de fogo. A internet livre e sem fronteiras fez com que o desejo de sacudir o jugo dos domínios partisse da Tunísia para Egito, Argélia, Jordânia, Barein, lêmen e agora Líbia. Não sendo profeta, apenas vejo que a Arábia Saudita é a próxima vítima ou protagonista.
Fiquemos no Egito. Napoleão, em frente das pirâmides e da esfinge de Guizé, não louvou seus milênios, mas apresentou-se a seu Exército com a famosa frase: "Do alto dessas pirâmides, 40 séculos vos contemplam". Um país que vive a imortalidade dos séculos em seus monumentos mortuários, que já viu a decifração dos seus hieróglifos —a escrita mais bela feita pelo homem, com seus pássaros com os bicos ensinando a direção da leitura—, está vendo a internet com os olhos de quem passou por várias civilizações.
Mubarak sucedeu Sadat que sucedeu Nasser, que arrebatava corações e paixões. Um Guevara da época. Jânio Quadros tinha em sua mesa no Planalto os retratos de Lincoln e de Nasser.
Eu fazia as manchetes num jornal do Maranhão. O jornal não era feito, acontecia. As matérias escritas eram compostas a mão nos tipos e montadas na página, para serem impressas. Página cheia ia para o prelo. Cabia me separá-las e dizer aos leitores "segue na página tal".
Notícias internacionais vinham aüravés de um rádio velho, ouvido com dificuldade por Clóvis Sena, grande jornalista, intelectual —como eu e Ferreira Gullar começando a vida— e que morreu na terça com as nossas saudades e lágrimas. No dia seguinte, o nosso concorrente dava a queda do rei Faruk, do Egito. Neiva Moreira vai a Clóvis Sena. "Não houve nada internacional que desse o rádio na noite passada?" "Só uns tirinhos ali pelo Egito", disse-lhe Sena.
"Pois é, seu dorminhoco, nosso concorrente dá em manchete a queda do mais antigo governante da face da Terra, uma dinastia de 5.000 anos, nós não damos nada e você ainda me diz que foram uns tirinhos no Egito".
Estou com a experiência de Cony, quando desconfia da democracia que surge no Egito. Quem assume seu comando é o general Mohamed Tantawi, o melhor amigo de Mubarak, que, como "grande democrata", as primeiras coisas que faz é fechar o Congresso e acabar com a Constituição e os tribunais.
A internet, a maior alavanca da modernidade —Deus queira que eu esteja vendo fantasmas— vai ajudar, como Bush no Iraque, a implantar teocracias, e a Esfinge não decifra o labirinto mitológico que está pela frente. Sena talvez estivesse certo: mais uns tirinhos no Egito.
Folha de São Paulo, 18/2/2011