Muitas queixas se ouvem, muitas observações se fazem e muitas críticas nascem. Alguns políticos e outros assemelhados lamentam que as modificações da lei eleitoral tenham tirado o charme das eleições. Sentem falta dos grandes shows, dos brindes, dos outdoors, e reclamam que o clima de eleição (ou festa) desapareceu. Tudo parece frio e às vezes nem se sabe se existe eleição.
Lin Yutang, que não é autor de muita gordura mas nem por isso deve deixar de ser lembrado, explora em um conto que todas as coisas têm um lado bom e outro mau. Escreve a história de um pai que comemorava a chegada em sua fazenda de um bando de éguas selvagens. Ele disse: "Será um bem ou será um mal?". Seu filho foi montar uma delas, caiu e quebrou as pernas, o velho repetiu: "Será um bem ou um mal?". No outro dia passava pela sua casa a comissão de recrutamento dos jovens para lutar na guerra e seu filho não foi porque estava de perna quebrada.
Nossa nova lei eleitoral está mais ou menos assim. Meu testemunho é que teve um resultado bom. As cidades estão limpas, sem aquela parafernália de cartazes sobrepostos e de postes sem ter mais onde pregar cara de candidato. A guerra de outdoors acabou e os showmícios deram um alívio grande não somente no bolso dos candidatos como na separação da política e da festa. Certamente os eleitores estão meditando mais e podem examinar melhor os candidatos sem as luzes dos refletores, a celebridade do cantor ou da "dupla" sertaneja misturar as coisas. Outros acham que a festa era melhor e os artistas também.
A democracia é a constituição pelo cidadão do autogoverno, que se legitima pela sua escolha. Daí a importância do voto. O eleitor tem que examinar a vida das pessoas, a começar pelo seu conceito na comunidade. Se não presta para ser respeitado, não pode representar ninguém. Há bons políticos e maus políticos. Na eleição é hora de manter na política os bons políticos, fazer ingressar na política os que dela desejam participar para servir e expulsar da política os maus políticos.
Evidentemente a tempestade que desabou sobre o Congresso Nacional, numa revelação de fatos em que jamais alguém poderia pensar, deu ao povo um sentimento de desprezo pela atividade política e para muitos um desencanto que chega ao nível da apatia.
Mas o processo democrático é sofrido, os países que escolheram esse melhor caminho tiveram sempre alguns momentos de revolta e indignação.
A nova lei melhorou o processo eleitoral. A purificação não virá por milagre, mas tudo pode ser "um bem ou um mal" e as regras novas, um detergente que vai ajudar.
Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 08/09/2006