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Um tributo essencial

 

Os primeiros seis anos são decisivos, na formação da personalidade do ser humano. O resto é complemento.


Partindo desse princípio freudiano, devemos dar uma atenção toda especial à educação infantil. Um cérebro normal, com os seus bilhões de neurônios, se forma até os quatro/cinco anos de idade. Depois, é difícil recuperar.


Se não se der uma alimentação adequada - como ocorre especialmente nos estados mais pobres - haverá deficiências que provocarão seqüelas praticamente irreversíveis. A criança deixa de aprender não porque não queira, ou simplificadamente seja mais burra, mas porque não tem um cérebro adequadamente formado. Ela perde boa parte da sua capacidade de apreensão de conhecimentos. Quantos de nós sabemos disso, para alcançar as verdadeiras razões dos nossos altíssimos índices de analfabetismo? Ou da crônica má qualidade de ensino?


Existe na lei brasileira algo incrível. O salário-educação, pago pelos empresários, é o quinto tributo nacional. Ele só vigora a partir da primeira série do ensino fundamental, ou seja, quando a criança está com seis ou sete anos de idade. Muitas vezes, é o único recurso de investimento com que conta uma Secretaria de Estado de Educação.


O raciocínio é simples: se a criança não é alimentada devidamente até os quatro ou cinco anos de idade, como se desenvolverá o seu cérebro? Já vimos que será de forma precária. É urgente que a lei seja modificada, para que o atendimento da escola, batizada ou não de restaurante, como querem alguns, seja capaz de chamar à sua responsabilidade, especialmente no caso dos carentes, a tarefa de alimentar da melhor forma possível esses milhões de brasileiros condenados ao atraso. A presença oficial na linha do pré-escolar é simplesmente ridícula. O pouco que é feito se deve à iniciativa privada, que cobra caro pelos seus serviços, tornando-os proibitivos para a maioria pobre da nossa população. Nesse caso, a existência de mentes brilhantes passa a ser uma exceção.


Muitas vezes, pode parecer que se esteja apenas teorizando. Boas leituras são capazes de nos formar e informar corretamente. No caso, vivi a experiência pessoal de quatro anos à frente da Secretaria de Estado de Educação e Cultura do Rio de Janeiro, com 130 mil professores públicos e perto de 2 milhões de estudantes, na época (1979 - 1983).


De uma feita, numa visita a Volta Redonda, fui convidado pelo prefeito (na ocasião era uma região de segurança nacional) para acompanhar o funcionamento de uma colônia de férias, patrocinada pela nossa Secretaria. Eram 16 horas. Formaram-se longas filas de crianças, para comer a merenda. Uma sopa de verduras quentinha e suculenta, além da sobremesa inesquecível: mamão espelhado. Experimentei e gostei. Na fila, pergunto a um menino quantas vezes ele comia por dia. "Só essa vez", disse ele, baixando os olhos. "Você não come em casa?", perguntei. A resposta diz tudo: "Não, não tem. De manhã eu fico brincando, doido para chegar a hora de vir para a escola. Só aqui eu como!" Isso a duas horas do Rio, antiga capital da República.


Jornal do Commercio (RJ) 6/4/2007