O ano político já foi. No balanço, pesam mais as denúncias e revelações do que os resultados concretos. Ainda estamos no terreno de conclusões e ambigüidades. Sob pressão da sociedade, foram entregues duas cabeças aos tigres.
Está passando ao largo do escândalo a total falência do sistema político que produziu recursos humanos com os comportamentos revelados pelas CPIs. A única tentativa de recolher resultados e moralizar as eleições, direcionando-as para corrigir os males, saiu de um projeto do senador Jorge Bornhausen, acabando com os showmícios, as superproduções hollywoodianas nos programas gratuitos de TV e muitas outras disposições positivas, inclusive sobre controle dos gastos. Não prosperou. Do mesmo modo, a reforma política morreu hibernada.
Por que o mundo cresce a um ritmo de 6%, a América Latina nesse nível e nós patinamos entre 1% e 3%? Será pela incompetência das elites, do governo e empresas privadas? É impossível não associar o nosso atraso ao caos político nacional, submetido às maiorias ocasionais, à falência programática e ao baixo desempenho das representações políticas.
Desvia-se o foco dessa questão para discussão sobre assunto marginal, que é a verticalização, como se fosse avanço, quando é retrocesso, porque serve para manter o sistema de partidos nada representativos, comandados por cúpulas, donas de legendas, sem democracia interna e onde se pode fazer tudo, desde cambalachos a aluguel de espaços de TV. José Honório já dizia, em "Conciliação e Reforma no Brasil", que as nossas reformas são para manter o que deveria ser reformado.
Falar em partidos nacionais é uma piada. O Brasil conheceu a palavra "partido nacional" na Lei Agamenon Magalhães, em 1945. Nem por isso se invocou em 60 anos de eleições essa interpretação, mas sempre se respeitou a autonomia de Estados e municípios. A verticalização foi feita por uma consulta ao TSE, no calor de uma eleição presidencial. Não foi ato legislativo. O resultado foi o verdadeiro pandemônio de candidatos laranjas e desorganização total do processo.
Mas o que desejo tratar mesmo é de que passamos mais um ano sem a reforma política. Ela só poderia ser feita agora, neste interregno. Enfrentar o problema da reeleição, aumentar o mandato do presidente, acabar com o voto proporcional e ter coragem de discutir até o sistema de governo. Feita a reforma depois, vão reivindicar direito adquirido e não muda nada.
Tocqueville -já citei isso aqui na coluna- afirmava que a reeleição era a pior instituição americana. O presidente, ao assumir, já pensa na reeleição. Sou favorável, também, a que o presidente, depois do seu mandato, não possa ocupar mais nenhum cargo eletivo nem administrativo. A ele, o Estado deve dar condições institucionais de exercer sua responsabilidade, servindo ao país com a experiência vivida, e não dentro do caldeirão político. Assim é nos EUA e em outros países. Digo isso com a autoridade de quem, como Nilo Peçanha, Rodrigues Alves, Getúlio Vargas e Juscelino, voltei a cargos eletivos.
A Constituição de 88 juntou o pior do parlamentarismo e do presidencialismo. Vamos limpá-la desse dilema que deu nesse monstro que se tornou necessário: as medidas provisórias.
Mas, sinceramente, estou ficando cético. A reforma política não virá senão no bojo de uma catástrofe. Só que acham pouco o terremoto atual para ensejar reconstrução. Como disse o Renan: estamos construindo outras CPIs pré-datadas ao deixar "tudo como dantes no quartel de Abrantes".
Folha de São Paulo (São Paulo) 16/12/2005