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Um revólver com seis balas no tambor

 

Foi outro dia, eu vi. Um bebê de menos de um ano, sentado no chão, pegou um controle remoto de televisão sobrando por ali. Sem piscar, começou a apertar os botões e a acompanhar as mudanças de imagens na tela, como se já soubesse o seu uso. Depois, num aeroporto, flagrei um garoto brincando de joguinhos num smartphone —tudo bem, só que a bordo de um carrinho empurrado pela mãe. E já ouvi falar de outro que, quando lhe deram um ursinho de pelúcia, ficou procurando as teclas. Talvez tais capacidades já estejam embutidas nas crianças ao nascer. Talvez as aprendam no próprio útero, já que suas mães, lá fora, não passam um minuto sem o aparelho. Será isso?

Antes que me acusem de primata antitecnológico, informo que essa preocupação não é minha. É do psicólogo americano Jonathan Haidt, autor do livro "A Geração Ansiosa", recém-lançado pela Companhia das Letras, secundado pelo pediatra brasileiro Daniel Becker, autor do texto da contracapa. Para Becker, "a hiperconexão está causando uma epidemia de transtornos nas crianças e nos adolescentes." E explicou.

O uso indiscriminado do celular por menores de 14 anos pode levar à dependência da internet e lhes causar alterações no cérebro, como problemas de saúde mental, física e socioemocional. Exemplos: atraso no desenvolvimento cognitivo, perda de aprendizado, déficit de atenção, mudanças de comportamento, extrema agressividade e isolamento social. Os de desenvolvimento físico incluem miopia, sedentarismo, fraqueza muscular, fraca coordenação motora e perturbação do ciclo do sono. Mais comum do que se pensa é o descontrole dos esfíncteres —a criança fazendo suas necessidades fisiológicas sentada onde estiver, para não ter de levantar-se e interromper a conexão, mesmo levando o aparelho.

E há o acesso à pornografia e às fake news, o uso da inteligência artificial para produzir cyberbullying e alterar vídeos para prejudicar colegas e a indução a dietas fatais, a proezas físicas impossíveis e a brincar de suicídio.

Como reverter isso? Na mão de uma criança, um revólver com seis balas no tambor não é tão perigoso.

Folha de São Paulo, 15/09/2024