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Um pioneiro na luta contra a fome

 

A Academia Brasileira de Letras não restringe o seu campo de homenagens aos que dela fazem parte. Personalidades de destaque da vida brasileira, em efemérides que são públicas, recebem o carinho da Casa de Machado de Assis, como acaba de acontecer com a lembrança do centenário de nascimento do escritor Josué de Castro. Seus livros, todos muito bem fundamentados, circulam pelas bibliotecas de grandes Universidades, como tivemos oportunidade de observar em visitas feitas a Seul, Estocolmo, Tóquio e Paris. São poucos os brasileiros que tiveram essa honra, o que aumenta o respeito pela memória do grande pesquisador dos problemas da nutrição.


A geração de hoje costuma perguntar porque o médico, professor e cientista Josué de Castro, com tamanho prestígio internacional, deixou de ganhar o Prêmio Nobel. Indicado duas vezes para o Nobel da Paz e uma para o Nobel da Medicina, especulou-se muito, à época, de que estava entre os favoritos. A explicação pode ser simples: méritos não faltavam para a sua consagração em vida, mas a verdade é que o Governo brasileiro não fez a menor força para que isso acontecesse. Ao contrário. Desconfia-se até que batalhou contra, por motivos político-ideológicos.


Josué, desde cedo, em Recife, onde nasceu, engajou-se na luta contra a fome, impressionado com o que ele denominou de “ciclo do caranguejo” (os pobres viviam nos mangues comendo caranguejos, que se alimentavam da lama em que viviam). A carne de um era a carne do outro. Ele dizia que “a história é um tecido bordado de pequenas ações.” Ou, em outras palavras, cada um de nós deve dar a sua contribuição para que alcancemos o progresso.


Deputado federal mais votado do Nordeste, ligou sua vida à luta contra o latifúndio, que responsabilizava pela fome do povo. Foi cassado em 1964, na primeira leva dos que tiveram os seus direitos políticos sacrificados. Escolheu a França para viver, sempre triste, com saudades do seu país e dos seus familiares. Morreu do coração, em 24 de setembro de 1973, antes de recobrar os seus direitos. Para ser enterrado, no Rio, onde viveu ao lado de D. Glauce e os filhos Fernando, Anna Maria e Sônia, foi necessária uma licença especial. Até hoje é lembrada a comovente saudação feita pelo acadêmico Barbosa Lima Sobrinho, seu conterrâneo, à beira do túmulo.


Josué de Castro, que lecionou na antiga Universidade do Brasil as disciplinas de Geografia, Filosofia e Nutrição, com o seu “Geografia da Fome” (editado pela primeira vez em 1946) um clássico da literatura brasileira, levou o mundo (traduzido para 25 idiomas) a conhecer a nossa triste realidade de miséria.


Reproduzo parte de um texto que escreveu em maio de 1953, especialmente para o prefácio da primeira edição popular do livro “Geografia da Fome”, a sua obra mais conhecida internacionamente: “Enquanto alguns apregoam que para salvar o país se faz necessária a reeducação das elites, aparentemente tão desviadas de seus deveres cívicos, de dirigir a vida pública, eu sou daqueles que acreditam que a nossa salvação está muito mais na educação adequada das massas, no seio das quais se encontram enormes reservas humanas até hoje deixadas à margem da ação política e social pela falta de recursos educacionais adequados e melhor distribuídos.”


Jornal do Commercio (RJ) 17/10/2008