José Veríssimo escreveu há mais de 100 anos sobre características da educação nacional com as quais, em parte, ainda convivemos. A escola deveria ser a cadeia heterogênea que ligasse todos os elementos da Nação. Isso não ocorreu, infelizmente. Permaneceram diversidades de raça, de religião e de costumes. Nossa escola primária, assim, deixou de exercer a devida influência na formação do caráter e no desenvolvimento do sentimento nacional.
"Várias causas acudiram a estorvar em nós o brasileirismo: a extensão do país, a falta de comunicações, os estudos superiores em país do exterior, como é o caso de Portugal, o nosso provincialismo conhecido como bairrismo, a falta de organização consciente da educação pública e a péssima instrução pública que não procurou jamais ter uma função na integração do espírito nacional, além do iletrado brasileiro - ainda há pouco 84% da população - nada encontrou que, impressionando seus sentidos, lhe falasse da pátria e a seu modo fosse também um fator da sua educação."
Muitas ilações podem hoje ser feitas, decorrido mais de um século dos fatos referidos por Veríssimo, que ainda acrescentou:
"Não há museus, não há monumentos, não há festas nacionais. O que freqüentou a escola, onde lha não fizeram conhecer e amar, desadorando a leitura e o estudo, não procurou fazer-se a si próprio uma educação patriótica."
"... A educação pública deixou que houvesse essa indiferença pelas coisas nacionais, sendo paupérrima a nossa literatura nacionalística. Não possuímos uma única revista que leve a todos os cantos do País os trabalhos dos seus escritores, dos seus pensadores, dos seus artistas e os estudos feitos no País. Não temos ilustrações por onde fiquemos conhecendo os diversos aspectos da variada paisagem brasileira, ou as obras e construções no Brasil e por brasileiros feitas, nem os nossos homens e sucessos notáveis, nenhum algo raro monumento erguido."
São frases para reflexão. Algumas naturalmente se tornaram envelhecidas pela ação do tempo. Outras, com as devidas correções, podem ser lembradas pela oportunidade da sua referência. Querem um exemplo? Os cadernos de literatura dos grandes jornais, onde a proporção de autores estrangeiros citados e endeusados é muito maior do que as citações modestas do que se faz no Brasil em matéria de literatura. Quando não se tem de implorar por uma nota, como se não fosse obrigação desses jornais acompanhar com carinho o que se faz na própria terra em matéria de literatura.
Estamos vivendo um tempo de reforma educacional. O MEC deseja começar pelo ensino superior e colocou a sociedade para discutir a sua primeira versão, a que sucederá outra, de teor ainda desconhecido. De saída, dos 100 artigos propostos, 32 são visivelmente inconstitucionais. Mau começo. O que se deve pretender, lembrando o patriotismo de José Veríssimo, é que haja uma proposta inteligente de integração nacional, com a valorização do brasileirismo, de que andamos um pouco divorciados. Esse é o ponto de partida que enfaticamente propomos, ao assinalar a saudade e o respeito com que José Veríssimo é lembrado.
Jornal do Commercio (Rio de Janeiro) 09/05/2005