Alencar ao que nos parece depois de uma pesquisa nos dicionários e repertórios lexicográficos brasileiros e portugueses, não é vocábulo documentado. Temos registrado o verbo "alancar" no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa e no seu equivalente português da Porto Editora, além de documentado no "Morais" 10ª ed., com exemplo extraído de romance de Aquilino Ribeiro, dado como provincianismo português. Pela constante troca da nasal "an"por"en", a variante "alencão", por "alancão", aparece no "Glossário Sucinto", de Elviro da Rocha Gomes, levantado no mesmo Aquüino, com o significado de "puxão"."Alancar" que significa, entre outras acepções,"derreár'; "curvar com o peso de carga ou esforço" é de origem desconhecida e está longe de relacionar-se com o "alencar" que aparece nos textos do Superior Tribunal de Justiça, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e do Ministério da Educação, em contextos do tipo: "os artigos alencados na Lei", "Deve-se apresentar os documentos alencados no artigo (...)".
Em todos esses exemplos, "alencar" está empregado como sinônimo perfeito do velho e tradicional verbo "elencar" usado em contextos similares aos aqui citados, isto é, valendo por "incluir algo numa relação de itens ou tópicos" derivado de "elenco" Estaria "alancar" aparecendo como neologismo de "elencar", ou variante daquele com influência do a-inicial de palavras ligadas à área semântica de "somar" "acrescentar", ou ainda como erro de digitação resultante vitorioso da má leitura do manuscrito "elencar", última hipótese que consideramos a melhor alusão para o caso.
A hipótese não é tão fora de propósito. Muitas palavras foram criadas, com vida efêmera, ou não, pelo corredor largo de más leituras. Os exemplos disto se multiplicam. Durante alguns anos viveu a palavra "ledino" em livros de conceituados autores, como Teófilo Braga, para designar um tipo de composição medieval (cantos de ledino) resultante da má leitura de "canto dele dino" (= digno). Outro fruto disto é o hoje usadíssimo verbo colimar "visar", do latim "collimare" resultante de má leitura de "collineare", usado nos textos de astronomia com o significado de "dirigir algo em linha reta".
Outro leitor reclama que no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP), da Academia Brasileira de Letras, há o registro de "malcuidado", sem hífen, mas não assinala a grafia do seu antônimo "bem-cuidado", com hífen, sobre o qual estava em dúvida. Agora ele sabe que "bem-cuidado" se escreve com hífen, depois que leu que, em "compostos" com o prefixo "bem", salvo as exceções indicadas no texto do Acordo, todas as palavras serão usadas com hífen: bem-aventurado, bem-humorado, bem-criado, bem-vindo, etc.A crítica ao VOLP não procede, porque um vocabulário ortográfico, como indica o título, não está necessariamente obrigado a registrar antônimos ou sinônimos, que são distinções semânticas, objeto dos dicionários. Cabe a um vocabulário ortográfico o registro de parônimos e homônimos e acentuações divergentes, porque tudo isto está relacionado com questões de grafia.Em segundo lugar, se a regra manda usar o hífen com o prefixo bem seguido de qualquer vogal ou consoante, indicando o pequeno conjunto de exceções, fica o redator do VOLP desobrigado de aumentar desnecessariamente o exemplário dos compostos com o elemento "bem", ausências que devem ser facilmente resolvidas por um leitor atento e inteligente.