Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > Última samba em Chantilly

Última samba em Chantilly

 

A Europa está em lua-de-mel. O presidente Bush, com ares de noiva, visita seus parceiros europeus pedindo desculpas pelo desencontro da Guerra do Iraque e oferecendo sua mão generosa em casamento para que, juntos, iniciem nova vida. Chirac já aceitou, Schröder também, Berlusconi nem se fala, é velha companheira de amores, Blair é indissolúvel concubinato.


Nesse clima de amores e de casamentos, a Europa aproveita o clima de um inverno muito frio, neve para todo lado e um aquecimento com petróleo a US$ 52 por barril, tudo que é bom para um recolhimento a dois.


Abriu a temporada o nosso Ronaldinho, ídolo dos gramados no Primeiro Mundo, cujo talento não coube entre os campos mal-arrumados e gramados deste Brasil, que se tornou célebre e visível no mundo inteiro pela habilidade dos seus atletas futebolísticos, desde Leônidas, o Diamante Negro, até Pelé, o Rei insubstituível, e Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho, Kaká, Robinho e Felipão.


O futebol entrou nas razões de Estado. Nunca participei de uma reunião internacional ou mesmo nacional em que não se falasse de futebol entre inflação, superávit primário e sistema financeiro globalizado. Sempre, no meio da conversa, vem a pergunta: "E Pelé, onde está?". "E Ronaldo, vai ficar bom do joelho?" Outro dia mesmo, com Lula e Zapatero, o segundo perguntou ao primeiro: "Qual é o seu time na Espanha?". "Barcelona", disse Lula. Com um beiço de muxoxo, respondeu Zapatero: "Mala suerte. Yo, Real Madrid". Aí foram declarações de times por todo mundo. Eu, para não ficar humilhado, disse: "O Bode Gregório", isto é, o Maranhão Esporte Clube, de São Luís, time que não bate em ninguém e, por isso mesmo, não provoca controvérsia.


Mas o grande fato foi a confusão no castelo de Chantilly, num casamento meio cristão de Ronaldinho e Daniella Cicarelli. O casal quis escolher um lugar romântico, com fila do gargarejo selecionada, para celebrar uma união feita de bola e de amor.


O ciúme surgiu como um diabo e montou um qüiproquó (o tal barraco) que, afinal, se transformou na festa da festa. Chantilly é uma área nos arredores de Paris, patrimônio do Instituto de França, criado pela Revolução para reunir as academias francesas. Eu já fui convidado para um casamento ali. Não era da Cicarelli, mas da moça mais linda de todas, a Saveria, filha da embaixatriz Marie-Laure Barbosa. Não fui, mas, ao que me consta, nesse o diabo não entrou.


A bruxa da história de Branca de Neve ficava no espelho perguntando: "Quem neste mundo é mais bela do que eu?". Ele respondia: "Lá no sertão, no meio dos anões, Branca de Neve". Ela endoidecia.


Quando a Cicarelli entrou, sem espelho mágico, e viu a Caroline Bittencourt, tomou-se de possessão: "Fora a bruxa". A coitadinha saiu. Vai posar na "Playboy" e ficou célebre pela humilhação. A foto do Ronaldinho com a Cicarelli saindo para a lua-de-mel pareceu de mel sem lua.


Sobrou para o padre Borges, que abençoou o casal lendo a epístola de são Paulo sobre o amor e foi acusado de violar o direito canônico. Nada de novidade. No Maranhão, o cônego Arthur já fazia a "benção das alianças com efeito casamentório". Mas sempre dava em barraco.


É que o diabo zela pelos cânones e por moças bonitas.


 


Folha de São Paulo (São Paulo) 25/02/2005

Folha de São Paulo (São Paulo), 25/02/2005