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Tupi or not tupi

 

Quando muito jovem tive enorme curiosidade - que depois se transformou em entusiasmo - pela língua tupi, o que me levou a estudá-la. Era o tempo em que as idéias da Semana de Arte Moderna ainda não tinham 20 anos e a frase de Oswald de Andrade, "Tupi or not tupi", ainda significava alguma coisa.


 


Eu saíra de Seminário Católico, onde aprendera e dera aulas de latim, atividade que mantive aqui fora, já que a Lei Capanema incluíra o ensino de latim nas quatro séries ginasiais de então.


 


A leitura de livros de Rodolfo Garcia, sobre a língua tupi levou-me a desejar que, juntamente com o latim, fosse o tupi incluído no currículo ginasial, a fim de termos um conhecimento pelo menos básico do idioma da terra. Cheguei mesmo a fazer alguns poemas em tupi, que devem estar em alguns dos guardados de minha biblioteca.


 


Rodolfo Garcia, historiador e pesquisador, foi diretor da Biblioteca Nacional e membro da Academia Brasileira de Letras (seu nome foi dado a mais moderna de nossas bibliotecas, há pouco inaugurada no Edifício Austregésilo de Athayde, parte do conjunto da Casa de Machado de Assis). Ainda há poucas semanas falei no plenário da ABL sobre essas pesquisas.


 


Assim, toda vez que deparo com textos sobre a língua tupi, detenho-me para voltar ao assunto que me entusiasmou há anos. Tem o município de São Gonçalo no Estado do Rio uma festa literária mensal, com membros de suas entidades culturais e jovens poetas, músicos, pintores e muitas pessoas interessadas em cultura que se reúnem para ler poemas, inaugurar exposições de pintura e ouvir músicos da região.


 


Lá estive na semana passada e assisti também ao lançamento de opúsculo sobre estudos dos topônimos gonçalenses de origem tupi, feito por um grupo de trabalho da Academia Gonçalense de Letras, Artes e Ciências.


 


Nomes de lugares que hajam mantido suas origem tupi são enumerados e explicados, coisa que, de minha parte, andei fazendo em Minas Gerais com base em minha cidade Natal, Ubá, que em tupi significa uma canoa feita num só tronco de árvore, em Caratinga que é "batata branca" e no grande número de "itas" existentes pelo país afora ("ita" significando "pedra": "Itaúna" = "pedra negra"; "Itaipu" = "água saindo da pedra", "Itapemirim = "Caminho de pedra, laje" ; e mais "Guanabará" ou "Guanabara" = "Seio do mar" ; "Jacaré" = "Aquele que anda torto"; "Iguaçu" = "Rio grande"; "Iguaba" = "Onde se bebe água, bebedouro"; "Itabira" = "Pedra empinada"; "Cary Oca" = "Casa de branco"; "Pará" = "Mar ou rio volumoso"; "Itororó" = "Água turbulenta, rio rumorejante".


 


Procedeu-se, no trabalho do grupo, ao levantamento de nomenclaturas e identificação dos vocábulos, de acordo com o plano para a pesquisa. Muitos topônimos estudados já dispunham de registros feitos e definidos. Outros, porém, precisaram de tradução dos elementos constritivos de cada palavra antes de se chegar ao significado do conjunto.


 


A "Língua Geral", que era o tupi, cobria uma vasta região do centro do país, falada por tamoios, tupinambás, tupinimós, guaranis e tapes. O litoral da Baía de Guanabara, especialmente, era habitada por tupis-guaranis. O território fluminense era ocupado pelos índios goitacases, puris, tamoios, guaianases e guarulhos.


 


Foi natural que muitas palavras tupis hajam sido mantidas no uso comum dos que vieram de fora. Assim, na fauna, temos arara, avara, capivara, curió, gambá, irara, jacaré, jararaca, juriti, nhambu, tamanduá, saracura. Na flora: aipim, abacaxi, caju, caroba, ipê, jabuticaba, jacarandá, maracujá, mandioca, pitanga, tiririca.


 


Nos nomes de gente: Araci, Iara, Guaraciaba, Iracema, Jurema, Juraci, Jupira, Moema, Ubiraci, Ubirajara. Especialistas já estudaram 157 verbos com radical tupi. Eis alguns deles: acaipirar, atucanar, empipocar, sapecar e tocaiar.


 


De mim, tive uma experiência curiosa. Certa vez, num hotel de Lisboa, junto com Zora, minha mulher, perguntei-lhe o que desejava no café da manhã. Resposta: mingau de aveia. Telefonei ao setor respectivo e fiz o pedido. O mingau não chegava, meia hora depois tornei a telefonar. Resposta do encarregado: "Vou aí conversar com o senhor".


 


Em chegando, explicou-me: "Consultei nosso dicionário da cozinha, não encontrei a palavra "mingau". Telefonei para o cozinheiro do Estoril, que sabe mais do que eu, e ele tampouco sabe o que é mingau". Virou-se para Zora e perguntou: "Madame, como se faz um mingau? " Zora deu detalhes e ele, feliz: "Ai, que madame quer papa d'aveia".


 


Fui consultar um dicionário brasileiro e lá estava: "Mingau, palavra tupi". Era natural que os funcionários de um hotel português não soubessem o que era "mingau".


 


O trabalho feito pelo grupo de São Gonçalo é da maior utilidade para que não nos esqueçamos dos que primeiro lutaram para construir este País.


 


Tribuna da Imprensa (Rio de Janeiro) 01/08/2006

Tribuna da Imprensa (Rio de Janeiro), 01/08/2006