Sérgio Pugliese é um jornalista inspirado. Há tempos ele escreve uma seção muito lida em "O Globo", com o expressivo título "A pelada como ela é". Lá se misturam as histórias de grandes craques, que começaram nos campinhos de várzea, com os eternos pernas de pau, que não passaram das primeiras peladas. O único objeto imutável, nisso tudo, é a bola, às vezes maltratada, mas sempre presente. Sem ela, não há jogo, seja de couro, como a maioria prefere, borracha como na infância ou até mesmo feita de sobras de meia. O importante é que ela role no campo, fazendo a alegria dos atletas, com a emoção insuperável dos gols comemorados.
Outro dia, o jornal deu que Henrique Maximiano Coelho Neto foi um dos mais férteis e importantes escritores brasileiros. Viveu a maior parte dos seus 70 anos no Rio de Janeiro, onde foi membro destacado da Academia Brasileira de Letras (chegou a ser presidente da ABL). Suas primeiras peladas aconteceram em Caxias (Maranhão), onde vez por outra levava bronca da sua mãe, Ana Silvestre Coelho, que era descendente de índios. Ela temia que ele se machucasse e reclamava muito. Quem sabe, aí nasceu o sentimento do poeta, que escreveu "Ser mãe é padecer num paraíso", um dos mais belos poemas da nossa literatura.
No Rio, Coelho Neto, irrequieto, amigo de Olavo Bilac e Guimarães Passos, passou a frequentar o Fluminense F.C., de que se tornou um apaixonado torcedor. Chegou a compor um hino para o clube, que não colou. Perdeu para Lamartine Babo: "Sou tricolor de coração, sou do clube tantas vezes campeão..."
Com Maria Gabriela Brandão, teve 14 filhos. Quis que todos fossem torcedores do FFC e um deles, João Coelho Neto, talvez tenha sido o mais famoso e completo atleta do clube das três cores, com o apelido de Preguinho (foi jogado nágua e afundou como um prego). Este, sim, era peladeiro e chegou a praticar, sempre bem, nada menos de oito modalidades. Foi o maior artilheiro de futebol da história do clube e segundo cestinha de basquetebol. Jogando muito bem, acabou na seleção brasileira de 1930, autor do primeiro gol brasileiro numa Copa do Mundo, no Uruguai.
O velho Coelho Neto, considerado "o príncipe dos poetas brasileiros", era fanático por futebol e gostava de aplaudir as jogadas do filho. Num Fla-Flu, nas Laranjeiras, começou a xingar o juiz. Foi num crescendo até que, depois de lembrar a mãezinha do chamado "referee", entrou em campo, de bengala e tudo, e correu atrás do indigitado árbitro, acertando-lhe uma bela bengalada. É claro que o Fluminense acabou ganhando...
A Gazeta (ES), 16/3/2012