Os enciclopedistas sistematizaram o conhecimento humano para que pudesse fugir das concepções religiosas em busca da razão, da ciência experimental. Seus antecedentes eram Pascal, Galileu, Bacon e outros menos ou mais votados.
O balanço da história do homem mostra que se descobriu muito. Criamos novas áreas de conhecimento. As janelas da informática, da física quântica, da biotecnologia e de tudo o mais que nos fascina nos nossos dias são marcas desse caminhar.
Muito aprendemos e descobrimos, mas é incomensurável o que falta saber. É como se estivéssemos diante de uma explosão incontrolável que a cada instante se modifica e exige um recomeço. A cada nova revelação, há sempre um número muito maior de indagações. O nosso mundo passa a ser feito de perguntas. É a mesma perplexidade do homem primitivo nos questionamentos sobre tudo. E, paradoxalmente, continuamos a saber que em cada resposta há uma infinidade de perguntas.
Uma dessas perguntas sem reposta é o tema das doenças desconhecidas. Sobre elas, o medo é moeda necessária. O que pode ocorrer nesse universo de criaturas somente visíveis nos microscópios eletrônicos e que se transformam diante do olhar do pesquisador?
É um rodeio danado para abordar a gripe do frango. A ameaça das pandemias é o mais grave problema de sobrevivência da espécie humana. Como nos programas de computador, a proliferação dos novos vírus é uma imitação da natureza.
O risco agora é maior pela rapidez das comunicações. As pestes do passado levavam dezenas de anos para caminhar de um país a outro. A velocidade, uma das conquistas dos tempos modernos, possibilita que as pandemias possam se instalar em dias ou horas.
Uma das responsabilidades das nações mais ricas, que detêm o domínio da tecnologia, é justamente defender o mundo das doenças desconhecidas. O caso da África com a Aids mostra como a pobreza é impotente diante das doenças, mas, por outro lado, se vinga criando doenças. A Aids veio da África assim como a gripe do frango veio das áreas mais pobres da China.
Sabemos quando a vida começou na Terra, mas não sabemos como ela começou. Assim, há uma correlação de causas e efeitos que a ninguém deixa escapar das ameaças que pesam sobre a humanidade. A história das civilizações, como mostrou Jared Diamond em "Armas, Germes e Aço", se faz com a vulnerabilidade da vida. As doenças infecciosas são instrumentos de conquista que não distinguem pobres ou ricos, incas ou quíchuas, suíços ou sudaneses.
Os desastres naturais e as epidemias nos levam a refletir sobre a necessidade de um mundo mais solidário. É tempo de abandonarmos os conceitos de destruição para pensar na construção e na preservação da vida.
Os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade nasceram entre o sangue das guilhotinas na Revolução Francesa. Eles, agora, têm de se libertar desse sangue para, em vez de ser um instrumento de violência, ser um instrumento de paz.
O problema agora não é uns homens contra os outros nem países contra países, mas a ameaça efetiva das guerras bacteriológicas feitas pela natureza, que se transforma, como pensava Lavoisier.
Daí, nosso pavor desse frango gripado, da vaca louca ou de aftosa no Kremlin.
Folha de São Paulo (São Paulo) 21/10/2005