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Só nos faltava essa!

 

ADRIANO Moreira, grande sábio e mestre português, ainda hoje na ativa, presidindo a Academia de Ciências de Lisboa, da qual foi secretário perpétuo José Bonifácio, foi ministro de Ultramar de Salazar. Contou-me que, quando comunicou ao presidente que tinham descoberto petróleo em Angola, onde grassava uma revolta civil, este exclamou: "Só nos faltava essa: petróleo em Angola!".


Viajo para Brasília e minha mulher, alarmada, recomenda: "Ao saltar, vacine-se. Em Brasília há uma epidemia de febre amarela".


Não fiz outra coisa e fui atrás da vacina. Ao chegar ao posto médico, disseram-me que havia acabado, mas, no dia seguinte (hoje), chegaria nova remessa. Começo a matutar: esse mundo é mesmo cheio de vai e volta. Quando pensamos que haveríamos de nos preocupar em Brasília -Capital da Esperança, na expressão de Malraux- com essa epidemia, que era o terror das cidades nos séculos passados? E logo nos vem a memória da Revolta da Vacina, no Rio de Janeiro, que quase derruba Rodrigues Alves, obrigando-o a decretar estado de sítio e levando o nosso Rui Barbosa, expressão maior de nossa inteligência, amigo do presidente, a com ele brigar e lançar uma catilinária contra a vacinação, com um discurso dos mais impensáveis nos dias de hoje. Rui Barbosa revoltou-se de tal modo que chegou a dizer no Senado que "não tem nome na categoria dos crimes do poder, a violência, a temeridade, a tirania [...de] me envenenar, com a introdução no meu sangue de um vírus [...] que seja condutor da moléstia e da morte!". E não ficou só aí e verberou com toda a força: "O Estado mata os criminosos. Mas não pode impor o suicídio...". Esta é uma síntese, mas a íntegra do que falou é de apavorar. O povo acreditou e rebelou-se, e o Rio pegou fogo.


Em 1685, a febre amarela surgiu no Recife, em 1686 fez 900 mortes em Salvador, em 1749 se espalhou pelo país, em 1849 atacou no Rio e foi uma grande epidemia, que chegou, segundo o doutor Jaime Bechimol, como chegavam todas as doenças, a bordo de um navio que veio de Nova Orleans e Havana, se espalhando pelas cidades costeiras brasileiras. Até Napoleão foi derrotado por essa doença, perdendo um exército de 40.000 homens. Em 1928, depois de Oswaldo Cruz, ainda tivemos um pico de 436 mortes.


Mas todo ano continuamos registrando umas dezenas de óbitos, que precisamos evitar.


E agora, aqui em Brasília, onde não tem mata, os macacos tomaram conta, multiplicam-se sem predadores, protegidos pela Polícia Ambiental, e fazem graça em toda orla do lago Paranoá. E eu, sem ouvir Rui Barbosa, quero e não tenho vacina. Só nos faltava essa!


Folha de S. Paulo (SP) 11/1/2008