A MINHA GERAÇÃO leu um escritor inglês, quase cego, que passou grande parte de sua vida nos Estados Unidos, onde realizou uma grande obra. Chamava-se Aldous Huxley. Hoje ninguém mais edita os grandes romancistas dos anos 30, que ficaram restritos às universidades e cursos de letras. Huxley escreveu um livro com o título ‘Sem Olhos em Gaza’, que nada tem a ver com Gaza. É um volume de mais de 600 páginas que, como tudo o que ele escrevia, tinha muito menos de trama novelesca e mais de dissertações humanistas. Não é o seu melhor livro, que todos reconhecem ser ‘Admirável Mundo Novo’, obrigatório nas nossas leituras.
Gaza é matéria constante nos jornais há muitos anos. O livro de Huxley, tenho uma vaga lembrança, recebe como título um verso antigo sobre Sansão, cego, peregrinando por aqueles desertos. Mas o romance de Huxley nada tem a ver com isso. É um libelo contra a falta de visão da humanidade sobre suas grandes perplexidades.
Se foi inspiração no passado, Gaza é hoje um sangue derramado em nossas calçadas. É um problema insolúvel, que envolve ressentimentos milenares, fanatismo religioso e determinismo geográfico. Aquele território é um enclave cercado por todos os lados por Israel, tendo uma única saída pelo Egito, vigiada e sujeita a inspeções internacionais para não ser um corredor de entrada de armas. Por outro lado, para viver, Gaza precisa da energia, da água e das estradas que vêm de Israel.
O brutal conflito que ali se verifica já não sensibiliza ninguém. Com as tecnologias visuais, o mundo habituou-se a ver a mais terrível das catástrofes como um fato corriqueiro, cotidiano, que não mexe mais com os sentimentos. Ficamos brutos ou voltamos a ficar.
Quando vemos as cenas de crianças mortas, duvidamos se é foto para propaganda ou teatro para tentar justificar as posições de cada um.
Israel tem o direito de zelar por suas fronteiras ameaçadas pelo Hamas. Mas sua reação não pode ser desproporcional de modo a comprometer sua imagem. Nos últimos tempos, quem mais desejou e fez esforços para a paz naquela região foi Clinton. Infelizmente, essa chance escapou como um pássaro de fogo quando Arafat, receando que a solução proposta pudesse custar sua cabeça, não teve forças para impô-la aos seus comandados. Os fantasmas de Sadat e Rabin pendiam sobre a cabeça dos negociadores.
O Egito encontrou sua paz, Israel resolveu grande parte de seus problemas como Estado, mas seus mártires, vítimas do radicalismo, talvez tenham sido sacrificados em vão. Hoje, a ONU está sem olhos em Gaza, no faz-de-conta.
Folha de S. Paulo (SP) 09/01/2009