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Se fosse só o calor

 

Já não falo do calor que, pelo jeito, não vai continuar assim, fiquem calmos, vai piorar. E daí? Afinal, deveríamos estar todos orgulhosos pela quebra do recorde de 1917 e pela conquista do título de capital mais quente do país, à frente de Teresina e Cuiabá. Também não falo do apagão, que está sendo distribuído democraticamente: por enquanto atingiu 11 estados e o Distrito Federal — e a previsão é de mais cortes. Não se pode acusar o governo de discriminação, pois a ideia, parece, é contemplar todos. Elevação de impostos, aumento da gasolina, alta do PIS/Cofins, volta da Cide, tudo isso se destina aos consumidores em geral, não há do que reclamar. Como também não adianta lamentar a morte de cinco vítimas, inclusive duas crianças, de bala perdida nesses últimos seis dias, vou então falar das mazelas de minha aldeia, Ipanema.

Vou tratar de arrastão, que não é exclusividade do bairro, mas prioridade, já que foi lançado nas praias daqui no começo dos anos 90. Como acontece desde então, eles voltaram a assustar os banhistas. Mas, desta vez, deve-se reconhecer que a polícia está agindo. O policiamento foi reforçado, torres de observação instaladas, helicópteros fazendo rondas, revistas em ônibus que saem de vários pontos da cidade em direção à Zona Sul, com a identidade de integrantes de grandes grupos sendo checada e a viagem monitorada. Mesmo assim, houve carro da PM e ônibus depredados. Não é fácil resolver o problema. Em geral são menores marginalizados pelas próprias famílias que são levados para as delegacias e os pais não vão buscar.

Para reforçar as iniciativas oficiais de combate à desordem urbana — com o carnaval de rua chegando —, entidades de bairro estão se mobilizando e agora mesmo tentam pôr em prática uma importante medida preventiva. O Projeto de Segurança de Ipanema (PSI) e associações de moradores de Copacabana, Leblon, Jardim Botânico e Gávea entraram com uma representação no Ministério Público Estadual para impedir a venda de bebidas alcoólicas para menores pelos ambulantes. Entre outras obrigações, esses vendedores terão de assinar um termo de compromisso declarando-se cientes de que esse comércio é crime sujeito a penas de até três anos de prisão. E, se forem flagrados, terão suas licenças cassadas e as mercadorias apreendidas. O movimento conta com o apoio de Ambev, Conselho Tutelar, PM, Guarda Municipal, Secretaria de Ordem Pública. É claro que essas medidas não vão resolver de todo a questão, mas já é o começo. A novidade é que agora, em vez de apenas reclamar, a sociedade está agindo, participando da discussão e da solução do problema.

O Globo, 24/01/2015