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Saudade. Fazer o quê?

 

A gente aprendeu que, etimologicamente, recordação é trazer de novo ao coração.
 
Os pais de Marcantonio vivem eternamente na recordação. Trazemo-lo junto ao nosso coração, pois este é o ato sublime do amor.

A cada aniversário da sua morte não retocamos seu perfil, nem erguemos estátua virtual. Ele está cheio de eternidade, pois percebeu muito bem o permanente se contrapondo ao quotidiano passageiro.

 Foi isto que o orientou para a contemplação e a fruição da obra de arte.
 
A sua coleção de pintura/escultura tem a sonoridade que só as sinfonias do bom gosto podem exibir.
 
Raquel de Queiroz escrevendo a Gilberto Amado quando este perdeu um filho disse assim:

"Esperanças, alegrias, lembranças e aquela segurança orgulhosa que a gente tem no filho - é aquele aquele mistério do sangue e da alma".

 Não sei quantas vezes já repeti este texto quando escrevo sobre Marcantonio.  

A comadre Raquel diz com poucas palavras tudo o que a gente sente.

Carmo e eu temos dele esta imagem definitiva, no mistério do sangue e da alma.
 
Pois bem, Rilke poetou: "Quando cremos em plena vida estar / Ela ousa chorar, em nós, de repente".
 
Fazer o quê?

E Deus quando nos dá força e coragem prepara-nos para uma possível consolação. Enquanto isso, a vida chora, a vida sangra.

É que a morte está associada ao espanto e o que a memória ama fica eterno.
 
Marcantonio partindo, espantou-nos, mas por amá-lo, temo-lo por eterno.

E foi deste modo que vimos passar 2010 quando seu nome apareceu iluminado no plano das artes plásticas brasileiras, de certo modo por conta do Prêmio CNl/Sesi que vive uma fase estupenda . Bem concebido, bem administrado está a render frutos para consagrar e formatar artistas.  

O ex-presidente da CNI, Senador Armando Monteiro Neto, há de ter orgulho de haver encampado essa iniciativa, estruturando-a, oferecendo-lhe os meios da consagração que veio a alcançar.

 Naturalmente, algum inconformado -talvez por possível julgamento não suave de Marcantonio - resmungue diante do aparato de palmas que saem de todo lado, mas é assim mesmo. 
 
O padre Vieira (e eis-me novamente a repetir o abono do mestre) ensinou que não há maior delito que ser um dqs melhores. E completou: "Um grande delito achou piedade,mas a um merecimento nunca lhe faltou inveja". Fazer o quê?

 Jornal do Commercio (RJ), 24/12/2010