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Renasce Carmen Dolores

 

A carioca Emilia Moncorvo Bandeira de Mello, nascida no Império, descobriu cedo que só sentimentalmente a mulher podia contar com o homem. Em tudo o mais, deveria aprender a contar consigo mesma, para o que "adviesse de anormal". Isso lhe aconteceu em 1887, quando, aos 35 anos, viu-se viúva com quatro filhos e sem meios de sustento. "Quando a adversidade me bateu à porta", disse anos depois, "não me perguntou se eu era mulher ou homem." E foi à luta.

Pouco antes, um dos textos que escrevia de brincadeira, para si mesma e para as amigas, caíra nas mãos do jornalista Alcindo Guanabara. Ele lhe perguntou se podia publicá-lo. Emilia concordou, desde que, como era casada, o assinasse com pseudônimo. Morto o marido, ela procurou Alcindo e se ofereceu como cronista. Ele a contratou e, depois de tentar vários pseudônimos, Emilia fixou-se no de Carmen Dolores.

Pelos 23 anos seguintes, Carmen Dolores foi não a, mas o cronista mais ousado e bem pago do Brasil. Em sua coluna dominical na primeira página de O País, pregava que "as mulheres se educassem para não se sujeitarem ao avassalamento do marido", que não se curvassem às ordens dos padres e que o divórcio era a única maneira de, numa separação, a mulher preservar a guarda dos filhos e a possibilidade de reconstruir a vida —o que, então e por muito tempo ainda, continuou a lhe ser negado.

Os livros nunca foram prioridade de Carmen Dolores, e não por falta de interessados. Seu único romance, "A Luta", que tem como vilãs as matronas mais cruéis da literatura brasileira, só saiu em 1911, um ano depois de sua morte, aos 58 anos. Foi editado por sua filha, a escritora Chrysanthème, ela própria de cabelinho nas ventas.

Depois disso, "A Luta" levou décadas esquecido, até ganhar uma edição comercial em 2001. Agora está na Coleção Folha Clássicos da Literatura, já disponível nas bancas. Carmen Dolores renasce.

 

 

Folha de São Paulo, 13/01/2024