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Reforma universitária: ainda falta muito

 

Sejamos práticos : na segunda versão do anteprojeto de reforma universitária, houve um avanço, fruto da audiência de 121 instituições, mas ainda estamos longe de um documento em condições de ser aprovado pelo Congresso Nacional.


A discussão vai continuar, segundo afirmação do ministro Tarso Genro, para que se chegue a uma terceira versão e depois à remessa ao Parlamento, onde seguramente não passará menos de dois anos. Ou mais, se considerarmos que 2006 será um ano eminentemente eleitoral. O apetite para legislar arrefece de forma extraordinária.


Vamos debater o documento oferecido à nação.


Em primeiro lugar, é mais enxuto. São menos 28 artigos, com a eliminação de muitos nitidamente inconstitucionais. Houve a fusão de outros, o que dificulta a comparação entre as duas versões, mas há pontos evidentes sobre os quais se pode afirmar, convictamente, que estão a merecer estudos mais acurados. Pela presença ou pela ausência.


Para alegria nossa, entrou a educação a distância, mas continuou em falta um melhor posicionamento sobre a educação tecnológica. Não se pode prestigiar os cursos noturnos somente com o aumento na oferta de vagas. Há que se debater o difícil problema da sua qualidade, hoje bastante precária.


Promete-se maior verba para as universidades federais, mas não se sabe de onde virá o dinheiro. No artigo 29, há referência à ajuda financeira da União a Estados e municípios. Já imaginaram quanta pressão política virá? Esse dinheiro somente será exeqüível se minguar o apoio às universidades federais. Parece difícil compreender ou visualizar que o cobertor é curto. Tem faltado vontade política, nesse sentido, e quem garante que isso mudará?


Fica a discutível questão de eleição direta para reitor. Quem viveu nos dois tempos (o antes e o depois), como é nosso caso, não se conforma com a excessiva politização dessa escolha. Ganha quem mais promete, sem nenhum compromisso com a realização do que constou da campanha. Isso tende a se agravar. Quem se escuda na expressão de que assim a escolha é mais democrática ou não entende de democracia ou, menos ainda, de universidade.


Não será essa providência isolada que trará paz às universidades, muito menos recursos. Ao contrário, toda vez que for eleito um candidato que vá de encontro à política do governo, como tem ocorrido, quem sofre é a instituição, pela não transferência de recursos essenciais. Isso é tão comum que custa a crer que se esteja insistindo numa prática demagógica, conforme o tempo nos mostra.


Havia falhas no falecido Provão. É certo que o atual Enade também apresenta as suas, como a pretensa proteção à identidade do estudante. Não há indícios de que o ensino tenha melhorado por essa ou aquela razão.


Continua a discussão das cotas. O anteprojeto de lei avançou um pouco, prevendo que as universidades federais reservem, em cada processo seletivo, pelo menos metade das vagas a alunos oriundos de escolas públicas. As vagas seriam divididas entre negros, pardos e indígenas, na proporção da sua presença naquela unidade federativa (valem os dados do IBGE).


Já se viu que somos uma nação de mestiços. "Branco é o que se revela branco", como fez recentemente o craque brasileiro Ronaldinho, cujo pai se disse de origem negra. Como se irá resolver tamanha contradição? Tem é que melhorar o ensino médio público, para que prevaleça no grau superior o defensável sistema do mérito. Esse prazo, dado até 2015, como outros prazos (erradicação do analfabetismo etc.) não funcionará na prática.


A confusão que se prenuncia está na manutenção do projeto de lei nº 3.627/2004, que tramita na Câmara dos Deputados. Ele conflita com o que está na segunda versão. Ou um ou outro. Os dois caminhando em paralelo vão gerar interpretações distintas, lançando lenha na fogueira.


Positiva é a limitação da entrada do capital estrangeiro. O ensino superior não é mercadoria exposta ao mundo inteiro. Nossos educadores, com os ajustes necessários, serão capazes de conduzir o processo. Quem pensa o contrário certamente está a serviço de grupos de fora. Isso fica evidente. Há um trabalho para implantar no Brasil um modelo globalizante neoliberal, o que não condiz com a nossa realidade nem com a grande vontade de transformação, numa linha de respeito à nacionalidade. O "modelo internet" precisa ser visto com muito cuidado.




Folha de São Paulo (São Paulo) 15/06/2005

Folha de São Paulo (São Paulo), 15/06/2005