Os últimos dados das pesquisas eleitorais já vão, após o começo das campanhas na TV, praticamente, aos 50% de voto
As crises do mensalão e agora dos sanguessugas exigiram, de vez, a virada de página das retóricas do moralismo político em todos os álibis da mantença, pertinaz do status quo. Lula não reprotagoniza apenas a herança de Vargas. Vingou de vez às arremetidas do "país-bem", a trazer ao peso da sua reeleição a verdadeira prioridade ética do quadro político brasileiro, que é a da redistribuição de renda, de par e, sobretudo, com a consciência da mudança, nos prazos que defina a paciência do país da marginalidade e seus 33% da população, fora da economia de mercado.
A reeleição expurga o mandato das alianças sociais equívocas, e da chance que emprestaram ao petista a classe média e os setores abastados da população. É mais que compreensível que se enojem, ruborizados, com os mensalões e a prevaricação petista, atentatória ao país decente, mas não ao Brasil mudança. O desgosto cutâneo deste eleitorado, que deu uma chance ao "Lulinha, paz e amor", passará à oposição, no segundo mandato, no mesmo limite em que a consciência dos dois Brasis desafoga a nova Presidência e acentua a prioridade do seu "que fazer".
O grotesco a que chegou o óbvio na corrupção política institucionalizada do país só fez mostrar a contradição de vez do moralismo denuncista. Atingiu em cheio a representação oposicionista a Lula, de par com os petistas contaminados por uma condição intrínseca à dinâmica de poder de nosso subdesenvolvimento político. A segurança da reeleição nasce da nova nitidez da escolha, e da consciência da investidura política deste Brasil de fora. Avançamos não só na definitiva desmoralização do denuncismo ético, mas das panacéias reformistas, que vem na sua cauda, a validar o país de sempre.
O início das campanhas na TV mostra o quanto deparamos os jogos feitos do eleitorado, e de como eventuais flutuações de escolha não alteram o impulso profundo à renovação do mandato de Lula. Evidenciam, sobretudo, a redundância insossa da proposta oposicionista, prometendo, a seu tempo, um projeto de desenvolvimento, de marré-marré-de-si. Lula continuará no poder beneficiado por esses dois avanços da consciência política, à rejeição do moralismo denuncista, como do reformismo esterilizante. O "povo de Lula" não se contaminou pela opinião pública, onde se encastela a classe média e, afinal, o poder mediático do país continua incrustado nas lições sempiternas de elite de poder de todo o sempre.
O eleitorado que agora faz história soma a classe trabalhadora, de carteira assinada, o país da marginalidade, hoje tocada pelos benefícios da mudança. É uma decisão ao mesmo tempo anônima e quase selvagem, a recondução de Lula ao Planalto e que exaspera a responsabilidade de sua solidão no poder e na condução adiante do país.
A visão coriácea do status quo sobre este Brasil dos meados de 2006 não se dá conta de que a consciência cidadã pode se avantajar ao país organizado das cúpulas políticas e do dito voto ilustrado. E os escândalos generalizados do Congresso demonstram a insustentabilidade de mais um status quo diante do país que muda. Aí está o propósito do pior Congresso do Brasil, após a restauração democrática, de em 90% dos seus membros se reproporem à condução ao Legislativo.
O novo governo não encontrará o PT como partido dominante e recorrerá redobradamente à realpolitik de constituição de uma maioria operacional. E redobrando as dificuldades dos adesismos, nascidos das clientelas, ou dos pactos pecuniários, deparará a posição estratégica do PMDB na condução deste processo, como que condenado à parceria da mudança, tanto o PSDB soldou-se ao PFL como os partidos do novo e minguante conservadorismo nacional. É, afinal, sobre a opção de base que retoma o país, pondo o velho partido do Dr. Ulysses na gangorra. A segurança da vitória de Lula, já no primeiro turno, o leva de avalanche ao realismo da mudança sem escape.
Jornal do Commercio (Rio de Janeiro) 25/08/2006